Vamos conversar sobre independência de instâncias…
Vamos começar pelo simples. Como funciona no cível?
Veja o que determina o art. 935 do Código Civil:
Código Civil.
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Portanto, há uma independência entre as esferas cível e criminal, entretanto dois pontos já decididos na esfera criminal não podem ser rediscutidos na esfera cível. São eles:
A existência do fato.
A autoria.
Entretanto, cuidado! A decisão que absolve por falta de provas não decide de forma definitiva as questões da existência do fato e/ou da autoria e, portanto, não vinculam o juízo cível.
Agora vamos aprofundar especificamente sobre as ações de improbidade administrativa.
A lei de improbidade administrativa traz uma previsão semelhante ao art. 935 do Código Civil.
A lei de improbidade administrativa traz uma previsão semelhante ao art. 935 do Código Civil. Vejamos:
Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa.
Art. 21, § 3º As sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
A absolvição no juízo criminal só se comunica com a esfera administrativa quando negada a existência do fato ou da autoria.
Conforme entendimento sufragado no Superior Tribunal de Justiça, a absolvição operada no Juízo criminal somente se comunica com a esfera administrativa quando negada a existência do fato ou da autoria (AREsp n. 1.358.883/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 3/9/2019).
O referido entendimento jurisprudencial encontra-se em consonância com o disposto no art. 21, § 3º, da Lei n. 8.249/1992 (na redação da Lei n. 14.230/2021), no sentido de que as “sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria”.
Entretanto, há aspectos que se tornaram polêmicos com a edição de Lei nº 14.230/2021, conforme veremos.
A absolvição na esfera criminal em ação que discuta os mesmos fatos, quando confirmada por decisão colegiada, impede a ação de improbidade administrativa?
Pelo teor do art. 21, §4º, da Lei nº 8.429/1992, sim. Entretanto, o dispositivo está com a eficácia suspensa por decisão monocrática proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes na ADI 7.236/DF em 27/12/2022.
Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa.
Art. 21, § 4º A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
Por outro lado, a absolvição na ação de improbidade administrativa impede o processamento da ação penal?
Não. A sentença absolutória por ato de improbidade não vincula o resultado da ação penal, porquanto proferida na esfera do direito administrativo sancionador, que é independente da instância penal, embora seja possível, em tese, considerar como elementos de persuasão os argumentos nela lançados. STJ. REsp 1.847.488/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 26/4/2021.
Exceção: A absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para manutenção da ação penal.
STJ. RHC 173.448-DF, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023 (info 766).
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 234:
Tese 4: No julgamento da ação de improbidade administrativa, a absolvição por ausência de dolo e de obtenção de vantagem indevida na conduta esvazia a justa causa para manutenção da ação penal.
Exemplo didático.
Arlindo é prefeito de Brogodó e foi acusado de desviar verbas da previdência social do município. Contra ele, pelo mesmo fato, foram propostas duas ações: uma ação penal e uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
Na ação civil pública por ato de improbidade, Arlindo foi condenado. Na ação penal, ele foi absolvido por atipicidade da conduta, uma vez que, apesar do reconhecimento da existência do fato, o juízo criminal entendeu que não foi demonstrado o dolo específico na conduta.
Arlindo, então, opôs embargos de declaração na ação de improbidade administrativa sob o fundamento de que a decisão do juízo criminal seria vinculativa, impondo a absolvição nas duas instâncias.
Arlindo deverá ser absolvido na ação civil pública por ato de improbidade administrativa?
Não. A absolvição criminal com fundamento na atipicidade da conduta não faz coisa julgada no juízo cível, considerando a independência das instâncias.
A absolvição criminal com fundamento na atipicidade de conduta não faz coisa julgada no cível.
A absolvição criminal com fundamento na atipicidade da conduta, não faz coisa julgada no cível, considerando a independência das instâncias. Basta perceber que apesar de atípica a conduta existiu e pode ser considerada um ilícito civil, ou mesmo um ato de improbidade administrativa.
Sobre a esfera da improbidade administrativa o próprio art. 37, § 4º, da CF determinar que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
STJ. Agint no REsp 1.991.470-MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 11/6/2024 (info 816).