O crime de portar ou transportar arma de fogo, acessório ou munição é de perigo abstrato.
Nos termos da iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é típica a conduta de portar ou transportar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, pois se trata de crime de perigo abstrato, cujo bem jurídico protegido é a incolumidade pública, situação bastante a afastar a exigência de resultado naturalístico.
Com efeito, “a Quinta Turma e a Sexta Turma do STJ, a última, em algumas oportunidades, tem entendido que o simples fato de os cartuchos apreendidos estarem desacompanhados da respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta, de maneira que as peculiaridades do caso concreto devem ser analisadas, a fim de se aferir: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada” (EREsp 1.856.980/SC, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 22/9/2021, DJe 30/9/2021).
Caso concreto.
No caso, foram apreendidas, além dos 7 cartuchos de calibre 12 da marca CBC e de 3 cartuchos calibre 32 da marca CBC, 19,25g (dezenove gramas e vinte e cinco centigramas) de cocaína, petrechos do tráfico e expressivas quantias em dinheiro, o que ensejou a condenação pelo crime de tráfico de drogas.
Impossibilidade de aplicar o princípio da insignificância.
Tal cenário, na linha da orientação firmada no STJ, impede que se reconheça a atipicidade material da conduta.
STJ. AgRg no AREsp 2.744.867-SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2024, DJe 16/12/2024. (info 837).
Aprofundando!
O crime de posse de arma de fogo é de perigo abstrato.
O crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/2003 é de perigo abstrato, sendo desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, e sim a segurança pública e a paz social, colocadas em risco com a posse de munição, ainda que desacompanhada de arma de fogo, revelando-se despicienda a comprovação do potencial ofensivo do artefato através de laudo pericial. HC 338.153/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 10/05/2016.
Em regra, não se aplica o princípio da insignificância ao crime de posse de arma de fogo.
Nos termos da jurisprudência desta Corte, o princípio da insignificância não é aplicável aos crimes de posse e de porte de arma de fogo, por se tratarem de crimes de perigo abstrato, sendo irrelevante inquirir a quantidade de munição apreendida. HC 338.153/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 10/05/2016.
A apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada da arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta. STJ. EREsp 1.856.980-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 22/09/2021 (info 710).
A apreensão de munições em quantidade não considerada insignificante, aliada a apreensão de droga, petrechos do tráfico e expressivas quantias em dinheiro, perfaz cenário que impede o reconhecimento da atipicidade material da conduta.
STJ. AgRg no AREsp 2.744.867-SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2024, DJe 16/12/2024. (info 837).
A depender do caso concreto, entretanto, é possível aplicar o princípio da insignificância.
O atual entendimento do STJ é no sentido de que a apreensão de pequena quantidade de munição, desacompanhada da arma de fogo, permite a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 517.099/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 06/08/2019.
Aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ficar restrita a hipóteses excepcionais que demonstrem a inexpressividade da lesão, de forma que a incidência do mencionado princípio não pode levar ao esvaziamento do conteúdo jurídico do tipo penal em apreço – porte de arma, incorrendo em proteção deficiente ao bem jurídico tutelado. STJ. 6ª Turma. HC 473.334/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 21/05/2019.
Atipicidade do uso de munição de arma de fogo como pingente.
É atípica a conduta daquele que porta, na forma de pingente, munição desacompanhada de arma. STF. 2ª Turma. HC 133984/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 17/5/2016 (Info 826).
Caso concreto em que não se reconheceu a insignificância.
No caso concreto, embora com o embargado tenha sido apreendida apenas uma munição de uso restrito, desacompanhada de arma de fogo, ele foi também condenado pela prática dos crimes descritos nos arts. 33, caput, e 35, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas e associação para o tráfico), o que afasta o reconhecimento da atipicidade da conduta, por não estarem demonstradas a mínima ofensividade da ação e a ausência de periculosidade social exigidas para tal finalidade. STJ. EREsp 1.856.980-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 22/09/2021 (info 710).
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 219:
Tese 8: Os delitos de porte ou posse de munição, de uso permitido ou restrito, são crimes de mera conduta e de perigo abstrato, em que se presume a potencialidade lesiva e, por isso, em regra, não é aplicável o princípio da insignificância.
Tese 9: É possível aplicar o princípio da insignificância aos delitos de porte ou posse de munição de uso permitido ou restrito, desde que a quantidade apreendida seja pequena e esteja desacompanhada de armamento apto ao disparo e as circunstâncias do caso concreto demonstrem a ausência de lesividade da conduta.
Tese 10: Não é possível aplicar o princípio da insignificância aos delitos de porte ou posse de munição, de uso permitido ou restrito, ainda que em pequena quantidade e desacompanhada de armamento apto ao disparo, se a apreensão acontecer no contexto do cometimento de outro crime.