Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um instrumento legal que permite ao Ministério Público propor um acordo com o investigado, evitando a instauração de uma ação penal, desde que sejam cumpridos determinados requisitos e condições. Os requisitos e condições para a proposição do ANPP estão elencados no artigo 28-A do Código de Processo Penal. Vamos entender cada um deles:
Confissão Formal e Circunstanciada: O investigado deve confessar de maneira formal e detalhada a prática da infração penal, admitindo sua autoria e fornecendo todas as circunstâncias que cercam o delito.
Ausência de violência ou grave ameaça: A infração penal não pode envolver violência ou grave ameaça.
Pena Mínima Inferior a 4 Anos: A pena mínima cominada para a infração penal confessada deve ser inferior a 4 anos.
Necessidade e Suficiência para Reprovação e Prevenção do Crime: O Ministério Público deve avaliar e considerar que o acordo é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, garantindo assim que a medida atenda ao interesse público e à justiça.

Condições Propostas para o Acordo.
As condições podem ser cumulativas ou alternativas, dependendo da proposição do Ministério Público e da aceitação do investigado. São elas:
Reparar o Dano ou Restituir a Coisa à Vítima: O investigado deve reparar o dano causado ou restituir a coisa subtraída à vítima, exceto se isso for impossível.
Renunciar Voluntariamente a Bens e Direitos: O investigado deve renunciar a bens e direitos que sejam considerados instrumentos, produto ou proveito do crime.
Prestar Serviço à Comunidade ou a Entidades Públicas: O investigado deve prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por um período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços.
Pagar Prestação Pecuniária: O investigado deve pagar uma quantia em dinheiro a uma entidade pública ou de interesse social.
Cumprir Outra Condição Indicada pelo Ministério Público: O investigado deve cumprir qualquer outra condição proposta pelo Ministério Público que seja proporcional e compatível com a infração penal imputada, por um prazo determinado.

Caso concreto adaptado.
João foi acusado de tráfico de drogas (art. 22 da Lei nº 11.343/2006), crime com pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Durante o processo, optou por exercer seu direito ao silêncio.

Em sede de sentença, entretanto, o juiz reconheceu a causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
Art. 33, § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Com a redução, a pena mínima passou a ser inferior a 4 anos. Agora, com a nova situação, torna-se possível a propositura do ANPP.

Entretanto, o Tribunal entendeu que não seria possível encaminhar o caso para o Ministério Público propor o ANPP devido à falta de confissão formal e circunstanciada de João durante a ação penal.

João pode formalizar a confissão perante o Ministério Público no ato de assinatura do ANPP, mesmo que não tenha confessado durante a ação penal?
Sim, João pode formalizar a confissão perante o Ministério Público no ato de assinatura do ANPP, mesmo que não tenha confessado durante a ação penal.

Em caso de alteração do enquadramento jurídico ou desclassificação do delito, é possível aplicar o ANPP, desde que preenchidos os requisitos legais.
Sobre o tema, a Quinta Turma do STJ, no julgamento do AgRg no REsp 2.016.905/SP, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, estabeleceu que, em casos de alteração do enquadramento jurídico ou desclassificação do delito, é possível aplicar o ANPP, desde que preenchidos os requisitos legais.

Esse precedente reconheceu incidir, extensivamente, às hipóteses de ANPP, o Enunciado n. 337 da Súmula do STJ, que prevê ser cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e procedência parcial da pretensão punitiva, devendo os autos do processo retornarem à instância de origem para aplicação desses institutos.

No caso concreto, o Tribunal negou que os autos fossem remetidos ao Ministério Público para a avaliação da viabilidade de oferta de ANPP tendo em vista que o réu optou por permanecer em silêncio durante o proceso.
Oportuno lembrar, também, que no julgamento do REsp 1.972.098/SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, a Quinta Turma decidiu que “o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, ‘d’, do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada”, o que sobrelevou e desburocratizou o reconhecimento e a importância da confissão para o deslinde do processo penal.

No caso, o Tribunal de origem asseverou que o óbice ao encaminhamento dos autos ao Ministério Público para que se manifestasse sobre a proposição do ANPP seria a ausência de confissão formal e circunstanciada, haja vista o exercício, pelo denunciado, no curso da ação penal, do direito ao silêncio.

Ao tempo da opção pela não autoincriminação, não estava no horizonte do acusado a possibilidade de entabulação do acordo de não persecução penal.
Contudo, é de se destacar que, ao tempo da opção pela não autoincriminação, não estava no horizonte do acusado a possibilidade de entabulação do acordo de não persecução penal, uma vez que a denúncia não postulou o reconhecimento da minorante do tráfico de drogas, o que só se tornou possível com a prolação da sentença penal condenatória que aplicou em seu favor a causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006.

O direito à não autoincriminação não pode ser interpretado em desfavor do réu.
O direito à não autoincriminação, vocalizado pelo brocardo latino nemo tenetur se detegere, não pode ser interpretado em desfavor do réu, nos termos do que veicula a norma contida no inciso LXIII do art. 5º da Constituição da República e no parágrafo único do art. 186 do Código de Processo Penal. Assim, a invocação do direito ao silêncio durante a persecução penal não pode impedir a incidência posterior do ANPP, caso a superveniência de sentença condenatória autorize objetiva e subjetivamente sua proposição.

Cabe ao Ministério Público avaliar o cabimento da oferta da ANPP.
Lado outro, sequer a negativa de autoria é capaz de impedir a incidência do mencionado instituto despenalizador, não se podendo olvidar, como afirmado em doutrina, que o acordo de não persecução penal é medida de natureza negocial, cuja prerrogativa para o oferecimento é do Ministério Público, cabendo ao Judiciário a homologação ou não dos termos ali contidos.

Deve-se, por conseguinte, diferenciar a postura legítima do réu que nega envolvimento com crime apurado em ação penal com a posição de parte do ANPP, certamente muito mais favorável do que aquela que lhe valeria o cumprimento de pena privativa de liberdade nos estabelecimentos penais à disposição nesse país, devendo lhe ser permitida a confissão, tal qual àquele que nega a conduta no interrogatório policial e, em juízo, a confessa, contradição que não impossibilita o reconhecimento da atenuante em seu favor.

A confissão formal e circunstanciada pode ocorrer no momento da assinatura do ANPP.
A dúvida remanescente residiria sobre o momento a formalização da confissão para fins do ANPP diferido, ao que se responde prontamente: no ato da assinatura do acordo.

O Código de Processo Penal, em seu art. 28-A, não determinou quando a confissão deve ser colhida, apenas que ela deve ser formal e circunstanciada. Isso pode ser providenciado pelo próprio órgão ministerial, se decidir propor o acordo, devendo o beneficiário, no momento de firmá-lo, se assim o quiser, confessar formal e circunstanciadamente, perante o Parquet, o cometimento do crime.
STJ. HC 837.239-RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 26/9/2023 (info 789).

Em igual sentido: Configuradas as demais condições objetivas, a propositura do acordo não pode ser condicionada à confissão extrajudicial, na fase inquisitorial.
STJ. HC 657.165/RJ, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/8/2022.

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