Caso concreto.
O Ministério Público Federal (MPF) propôs ação civil pública em face de um clube que criou um aterro irregular nos arrecifes que dão acesso ao Parque das Esculturas, ponto turístico de Recife-PE. No clube também funcionava um restaurante, que despejava esgoto de forma irregular no rio Capibaribe.
Apesar de demonstrada a exigência do aterro irregular bem como o efetivo despejo de esgoto de forma irregular, não foi elaborado laudo técnico demonstrando a existência de efetivo dano ao ecossistema.
Na instância inicial, o clube e o restaurante envolvidos no caso foram sentenciados a arcar com o pagamento de indenização por danos ambientais e por danos morais coletivos fixados em R$ 20 mil e R$ 15 mil, respectivamente. Contudo, ao analisar o recurso, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) reformou a decisão, justificando que, apesar de comprovada a infração, a ausência de prova técnica quanto a ocorrência de efetivo dano ambiental tornaria a demanda improcedente. Foi interposto recurso especial.
Quem decidiu corretamente?
O juiz de primeiro grau. A ausência de prova técnica para a comprovação do efetivo dano ambiental não inviabiliza o reconhecimento do dever de reparação ambiental, no caso de despejo irregular de esgoto.
Controvérsia.
A controvérsia em discussão remete-se a definir a existência de responsabilidade ambiental ou não, em razão do lançamento irregular de esgoto em área próxima a localização de arrecifes, quando ausente prova técnica para comprovação do efetivo dano ambiental.
A responsabilidade civil pelo dano ambiental independe de culpa.
Inicialmente, cumpre ressaltar que, embora não haja um conceito singular positivado de dano ambiental, o “bem ambiental” é tutelado diretamente pela CF/1988, que, em seu artigo 225, estabelece a obrigação específica de manutenção da qualidade ambiental, não apenas para o poder público, mas, em igual medida, também a toda a coletividade.
O Pnama (Lei n. 6938/1981), por sua vez, trata de degradação da qualidade ambiental e da poluição, respectivamente, em seu artigo 3º, incisos II e IV, definindo como poluidor aquele que causa degradação da qualidade ambiental, assim conceituada como uma alteração adversa das características do meio ambiente.
Lei nº 6938/1981 – Política Nacional do Meio Ambiente.
Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
(…)
II. degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
III. poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
IV. poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
Nesse sentido, o citado diploma normativo, em seu art. 14, parágrafo 1º, estabelece que os poluidores, ou seja, todos aqueles que, direta ou indiretamente, causem uma alteração adversa das características do meio ambiente, são responsáveis pela reparação do dano ambiental, independentemente da existência de culpa.
Lei nº 6938/1981 – Política Nacional do Meio Ambiente.
Art. 14, §1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Observa-se, portanto, que a responsabilidade civil por danos ambientais decorre do princípio do poluidor-pagador, em que o poluidor, que internaliza os lucros, não pode socializar a degradação, devendo, assim, responder por ela.
O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório.
O Superior Tribunal de Justiça entende ainda que o princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental, comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe era potencialmente lesiva (REsp n. 1.060.753/SP, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 1/12/2009, DJe de 14/12/2009).
Desse modo, existindo uma desconfiança, ou seja, um risco de que determinada atividade possa gerar um dano ao meio ambiente ou à saúde humana, deve-se considerar que esta atividade acarreta sim este dano. Precedentes: REsp n. 1.454.281/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/8/2016, DJe de 9/9/2016; e REsp n. 1.049.822/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 23/4/2009, DJe de 18/5/2009.
No caso dos autos, houve constatação da origem do lançamento irregular de esgoto.
Na hipótese dos autos, houve a constatação pelo Tribunal de origem do lançamento irregular de esgoto e seus dejetos, sem qualquer tratamento, em área situada sobre a muralha de arrecifes, que guarnece o estuário de um rio.
Dessa forma, diante dos princípios da precaução e da prevenção e dado o alto grau de risco que a atividade de despejo de dejetos, por meio do lançamento irregular de esgoto – sem qualquer tratamento e em área próxima a localização de arrecifes – representa para o meio ambiente, a ausência de prova técnica pela parte autora não inviabilizada o reconhecimento do dever de reparação ambiental.
STJ. REsp 2.065.347-PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 27/2/2024 (info 805).