Confissão no Código de Processo Penal.
O Código de Processo Penal trouxe poucas regras específicas para a valoração da confissão, em dois dispositivos: os arts. 197 e 200. No primeiro, diz a lei que a confissão será valorada pelos critérios (também não identificados pelo Código) aplicáveis às demais provas, cabendo ao juiz confrontá-las entre si para verificar se “entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”.

Código de Processo Penal.
Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
(…)
Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.

O art. 200, por sua vez, traz as regras da divisibilidade e retratabilidade da confissão, repetindo que o juiz pode valorá-la a partir de seu livre convencimento, “fundado no exame das provas em conjunto”.

A condenação não pode se lastrear unicamente na confissão.
Esses dois artigos geraram certa uniformidade doutrinária no sentido de que a condenação não pode se lastrear unicamente na confissão, sendo necessário que esta se encontre em harmonia com as demais provas dos autos. Nenhum dos dois dispositivos, entretanto, estabeleceu qual o nível de compatibilidade ou harmonia que deve existir entre a confissão e as outras provas, nem como ocorre o exame da retratação. Mesmo assim, o juiz é obrigado a avaliar esses pontos, utilizando-se de algum standard e de regras de valoração da prova – ainda que não as declare explicitamente.

Sistema de livre apreciação.
O sistema de livre apreciação instituído no art. 155 do CPP convive com o estabelecimento de critérios gerais de racionalidade probatória que, conquanto não descritos na lei, precisam ser aplicados pelo julgador (até pela vedação ao non liquet), e exige do magistrado que suas conclusões sobre a prova derivem de um raciocínio intersubjetivamente justificável.

Cumprindo a função que se espera da jurisdição superior, propõe-se que o STJ elucide quais são esses parâmetros racionais, tornando mais objetivo e previsível o julgamento criminal e fornecendo aos próprios juízes um instrumental dogmático claro para o exame da confissão.

Dentre a vasta produção doutrinária internacional sobre a valoração racional da prova, dois critérios principais têm especial aplicação ao exame da confissão (sem prejuízo, é claro, de outras regras de racionalidade): (I) o da corroboração e (II) o da completude, ambos enquadráveis nos arts. 197 e 200 do CPP:

Corroboração: refere-se ao grau de existência de elementos de prova independentes capazes de dar sustento a uma afirmação, de modo que uma hipótese restará mais ou menos corroborada em direta proporção com a quantidade e qualidade das provas que se encaixam em suas predições.
Completude: diz respeito à abrangência da coleta de provas e seu ingresso nos autos processuais, referindo-se à proporção entre as provas produzidas pela acusação e aquelas que seriam em tese relevantes e pertinentes.

É possível acontecer que diante de um conjunto probatório pobre, as poucas provas existentes podem fornecer alguma corroboração a determinada hipótese; todavia, com o aporte de mais provas de diversas espécies, produzindo um conjunto mais completo, pode-se perceber que a hipótese inicial perdeu força, já que as novas provas a desmentiram ou apontaram em sentido contrário.

A confissão é uma prova de baixa segurança independente.
Os múltiplos riscos epistêmicos de confissões, mesmo daquelas admissíveis, permitem classificá-la como uma prova de baixa segurança independente. É no campo da completude (e sua irmã, a corroboração), então, que se deve buscar um direcionamento para o exame racional da confissão, o que coloca sobre a acusação o ônus de buscar provas múltiplas e diversas capazes de dar suporte a sua hipótese.

Ao se basear unicamente na confissão, a acusação pode perder a chance probatória.
Os conceitos valorativos até aqui trabalhados se relacionam de maneira dinâmica: ao perder a chance de apresentar provas que corroborem independentemente sua tese, a acusação gera uma incompletude no conjunto probatório que priva o Judiciário e a sociedade da melhor prova possível para o esclarecimento do crime. Isso aumenta desproporcionalmente o grau de incerteza ínsito a toda decisão sobre fatos passados, de uma maneira capaz de criar dúvida objetiva quanto a qualquer decreto condenatório e impor, como consequência, a absolvição do réu.

A fixação das forças policiais com a confissão enquanto “rainha das provas” gera um campo fértil para a ocorrência desse fenômeno.

A jurisdição criminal justa precisa, pois, de uma investigação criminal eficiente, competente e profissional para que possa ser exercida, sob pena de se elevar o risco de condenações de pessoas inocentes – que, com as atuais práticas da polícia e do Ministério Público brasileiros, certamente é altíssimo. Isso é o que requer o próprio art. 6º do CPP, quando institui para o delegado, dentre outras, as obrigações funcionais de resguardar o corpo de delito (inciso II) e arrecadar “todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato” (inciso III).

No caso, houve perda de uma chance probatória.
Nenhuma dessas providências foi tomada no presente caso, e a certeza da polícia de que a confissão informal do acusado (extraída em circunstâncias desconhecidas) bastaria para gerar sua condenação é certamente um fator de estímulo à situação generalizada de inércia policial. Elevar o standard a ser vencido pela acusação no exame de confissões terá, assim, o efeito benéfico de incentivar um maior profissionalismo na atuação policial e ministerial, com condenações mais seguras e justas.

Dessa forma, a confissão judicial, em princípio, é lícita. Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP.
STJ. AREsp 2.123.334-MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 2/7/2024 (info 819).

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