Caso concreto adaptado.
Irineu contratou trabalhos espirituais visando à morte de várias autoridades, incluindo autoridade policial, promotor de justiça, vereador, prefeito e repórter investigativo.

Houve crime de ameaça?
Não. O delito de ameaça somente pode ser cometido dolosamente, ou seja, deve estar configurada a intenção do agente de provocar medo na vítima.

Na hipótese dos autos, a representação policial e a peça acusatória deixaram de apontar conduta da paciente direcionada a causar temor nas vítimas, uma vez que não há no caderno processual nenhum indício de que a profissional contratada para realizar o trabalho espiritual procurou um dos ofendidos, a mando da paciente, com o propósito de atemorizá-los. Não houve nenhuma menção a respeito da intenção em infundir temor, mas tão somente foi narrada a contratação de trabalho espiritual visando a “eliminar diversas pessoas”.

O agente não ameaçou as pessoas. Na verdade, ela inclusive esperava que a “profissional” contratada mantivesse o sigilo.
Como ressaltado pelo Parquet federal, dos elementos colhidos não ficou demonstrado que a ré teve a vontade livre e consciente de intimidar os ofendidos: a conduta dela consistiu em contratar uma “profissional especializada”, que trabalha com esse tipo serviço – que se pode denominar de metafísico -, a fim de que fosse causado mal grave e injusto aos ofendidos.

Resta claro que ela esperava que a profissional mantivesse o sigilo, o que, contra sua vontade, não ocorreu. Não há, portanto, o dolo de ameaça, dirigida, direta ou indiretamente, aos ofendidos, como exige a objetividade jurídica do tipo penal, sob pena de, em não se levando em conta tal fator, adotar-se a configuração de responsabilidade penal objetiva na espécie.

De toda forma, o tipo penal (art. 147 do CP), ao definir o delito de ameaça, descreve que o mal prometido deve ser injusto e grave, ou seja, deve ser sério e verossímil. A ameaça, portanto, deve ter potencialidade de concretização, sob a perspectiva da ciência e do homem médio, situação também não demonstrada no caso.

Diante das circunstâncias do caso, a instauração do inquérito policial, e as medidas cautelares determinadas, bem como a ação penal, porquanto baseadas em fato atípico (ameaça), são nulas, e consequentemente a imputação pela prática do crime previsto no art. 241-B, c/c o art. 241-E, ambos da Lei n. 8.069/1990.
STJ. HC 697.581-GO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 15/3/2023 (info 771).

Aprofundando!
A extorsão pode ser praticada através da ameaça de mal espiritual.
Configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta do agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida. STJ. 6ª Turma. REsp 1299021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

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