Caso concreto adaptado.
Luísa, enfrentando sérios problemas de saúde que a impediam de cuidar de seu filho recém-nascido, Pedro, confiou a guarda a seus amigos de longa data, Ana e Carlos. Desde os primeiros dias de vida da criança, Ana e Carlos o acolheram em sua casa, cuidando dele com todo amor e dedicação. Para formalizar essa situação, assinaram um Termo de Responsabilidade no Conselho Tutelar, com o consentimento de Luísa, estabelecendo assim um vínculo legal temporário.

Nove meses se passaram, e Ana e Carlos decidiram regularizar definitivamente a situação, visando proteger o bem-estar de Pedro. Eles propuseram uma ação de guarda consensual provisória, acompanhada de um pedido liminar para tutela provisória de urgência, buscando garantir que Pedro permanecesse em um ambiente estável e seguro, refletindo a relação de cuidado contínuo que haviam estabelecido desde seu nascimento.

O pedido deve ser deferido?
Excepcionalmente é possível o deferimento do pedido. A depender do caso concreto, a suspeita de ocorrência da adoção irregular de criança não justifica a sua inserção em abrigo institucional.

Há indícios de fraude ao cadastro nacional de adoção?
O art. 50 do ECA prevê que a autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.

No caso concreto, há uma aparente entrega irregular da criança com a finalidade de no futuro viabilizar a adoção. Entretanto, a solução a ser adotada deve privilegiar o melhor interesse da criança.

Primazia do acolhimento familiar em detrimento da colocação de menor em abrigo institucional.
Por expressa previsão constitucional e infraconstitucional, as crianças e os adolescentes têm o direito de ver assegurado pelo Estado e pela sociedade atendimento prioritário do seu melhor interesse e garantida suas proteções integrais, devendo tais premissas orientar o seu aplicador, principalmente, nas situações que envolvam abrigamento institucional.

A jurisprudência deste Tribunal consolidou-se no sentido da primazia do acolhimento familiar em detrimento da colocação de menor em abrigo institucional, salvo quando houver evidente risco concreto à sua integridade física e psíquica, de modo a se preservar os laços afetivos eventualmente configurados com a família substituta.

A ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto.
Segundo a Quarta Turma desta Corte, “A ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao lema do melhor interesse da criança ou do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar” (HC 468.691-SC).

O abrigamento institucional do menor que, aparentemente, está bem inserido em um ambiente familiar, além de ter seus interesses superiores preservados, com formação de suficiente vínculo socioafetivo com os seus guardiões de fato, tem o potencial de acarretar dano grave e de difícil reparação à sua integridade física e psicológica.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024 (info 806).

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No caso, não houve “adoção à brasileira”.
A “adoção à brasileira” é um termo informal usado no Brasil para descrever uma prática ilegal de adoção, na qual uma criança é registrada como sendo filho biológico de pessoas que não são seus pais genéticos, sem passar pelos procedimentos legais de adoção estabelecidos pela legislação. Essa prática geralmente envolve o registro de nascimento da criança com a falsificação de informações, indicando os adotantes informais como pais biológicos no registro civil.

Tal conduta, inclusive, pode importar em crime:

Código Penal.
Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido
Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena: reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único: Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena: detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

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Qual seria o procedimento correto a ser adotado?
O artigo 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), introduzido pela Lei nº 13.509, de 2017, estabelece um procedimento específico para as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção, seja antes do nascimento ou logo após. Este artigo visa garantir um processo seguro, legal e ético para a entrega de crianças à adoção, enfatizando a importância do acompanhamento psicossocial e jurídico. Vamos detalhar cada parágrafo e seu significado:

Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude.

Após a manifestação, a gestante ou mãe será ouvida pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que apresentará relatório à autoridade judiciária, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal.

De posse do relatório, a autoridade judiciária poderá determinar o encaminhamento da gestante ou mãe, mediante sua expressa concordância, à rede pública de saúde e assistência social para atendimento especializado.

É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento. Entretanto, não sendo o caso, deve ser realizada, busca à família extensa, que respeitará o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período.

Na hipótese de não haver a indicação do genitor e de não existir outro representante da família extensa apto a receber a guarda, a autoridade judiciária competente deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional.

Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada em audiência, garantido o sigilo sobre a entrega.

Na hipótese de não comparecerem à audiência nem o genitor nem representante da família extensa para confirmar a intenção de exercer o poder familiar ou a guarda, a autoridade judiciária suspenderá o poder familiar da mãe, e a criança será colocada sob a guarda provisória de quem esteja habilitado a adotá-la. Os detentores da guarda possuem o prazo de 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção, contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência.

Por fim, na hipótese de desistência pelos genitores – manifestada em audiência ou perante a equipe interprofissional – da entrega da criança após o nascimento, a criança será mantida com os genitores, e será determinado pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 dias.

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