Caso Concreto.
Imagine um casal, João e Maria, que iniciaram o processo de adoção de uma criança, Pedro. Durante o estágio de convivência, que durou vários meses, a mãe biológica de Pedro contestou a adoção e pediu reiteradamente a devolução do filho ou direito de visitação. Além disso, João e Maria descobriram que Pedro tinha uma doença grave e incurável, e eles, com recursos limitados e vivendo longe de centros urbanos, sentiram-se incapazes de prover os cuidados necessários. Portanto, decidiram desistir da adoção.

A desistência de João e Maria da adoção de Pedro, dadas as circunstâncias apresentadas, configura abuso de direito, gerando o dever de indenizar o infante?
Não, a desistência da adoção por João e Maria, dadas as circunstâncias do caso – condições financeiras limitadas, doença grave da criança e contestação da mãe biológica – não configura abuso de direito.

A desistência da adoção durante o estágio de convivência não importa em sanção.
A desistência da adoção durante o estágio de convivência não configura ato ilícito, não impondo o Estatuto da Criança e do Adolescente nenhuma sanção aos pretendentes habilitados em virtude disso.

O “estágio de convivência”, está previsto no art. 46 da Lei n. 8.069/1990, que assim dispunha, à época dos fatos: “A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso”.

Atualmente, a Lei n. 13.509/2017 fixou o prazo máximo de 90 dias para o estágio de convivência, mas, em 2008, quando se deram os fatos em análise, esse prazo não existia. À época, o Estatuto da Criança e do Adolescente também não impunha nenhuma sanção aos pretendentes à adoção, por eventual desistência no curso do processo.

Não confundir com a desistência após o trânsito em julgado.
Vejamos o que diz a lei acerca do tema:

Art. 197-E, §5º A desistência do pretendente em relação à guarda para fins de adoção ou a devolução da criança ou do adolescente depois do trânsito em julgado da sentença de adoção importará na sua exclusão dos cadastros de adoção e na vedação de renovação da habilitação, salvo decisão judicial fundamentada, sem prejuízo das demais sanções previstas na legislação vigente. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

Voltando ao caso concreto…
Embora o fato de a criança ter recebido diagnóstico de doença grave e incurável possa ter contribuído para a desistência da adoção, haja vista que os candidatos a pais eram pessoas extremamente simples, sem condições financeiras, e moravam longe de centros urbanos, o fato de a genitora biológica ter contestado o processo de adoção e ter requerido, sucessivamente, que a criança lhe fosse devolvida ou que lhe fosse deferido o direito de visitação, não pode ser desprezado nesse processo decisório.

A desistência da adoção, nesse contexto, está devidamente justificada, não havendo que se falar em abuso de direito, especialmente, quando, durante todo o estágio de convivência, a criança foi bem tratada, não existindo nada desabone a conduta daqueles que se candidataram no processo.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/10/2023, DJe 3/11/2023 (info 795).

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