Caso concreto adaptado.
Tício e Mévio procuravam vítimas em potencial, quando avistaram Isabel, senhora idosa, entrando em seu carro. Rapidamente, os agentes entraram no veículo com arma em punho, exigindo que a vítima entregasse todos os seus bens. Após, a empurraram para fora do carro e fugiram conduzindo o veículo.

Assustada, Isabel sofreu um infarto, falecendo momentos após. O laudo pericial indicou que Isabel sofria de grave doença cardíaca, que foi decisiva para o resultado morte.

Tício e Mévio responderam por roubo ou por latrocínio?
Por latrocínio.

Natureza do crime de latrocínio.
A despeito da controvérsia doutrinária quanto à classificação do crime previsto no art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal – se preterdoloso ou não – fato é que, para se imputar o resultado mais grave (consequente) ao autor, basta que a morte seja causada por conduta meramente culposa, não se exigindo, portanto, comportamento doloso, que apenas é imprescindível na subtração (antecedente).

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
(…)
§3º Se da violência resulta: (…)
II. morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.

Art. 13, caput, do Código Penal: teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non.
O art. 13, caput, do Código Penal, acolheu a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non, ao prever que “considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. A aplicação da teoria em comento ao estudo das concausas implica concluir que as causas absolutamente independentes sempre excluirão a imputação do resultado mais gravoso, as relativamente independentes, nem sempre.

Art. 13, §1º, do Código Penal: rompimento do nexo causal.
Já o § 1º do art. 13 do Código Penal prevê uma hipótese de exclusão da imputação – denominada por alguns de “rompimento do nexo causal” –, respondendo o agente apenas pelos atos já praticados. Essa hipótese, porém, apenas tem cabimento quando a concausa, além de relativamente independente, também for superveniente à ação do agente, conduzindo, por si só, ao resultado agravador. Ou seja, se a concausa relativamente independente for preexistente ou concomitante à ação do autor, não haverá exclusão do nexo de causalidade.

No caso, o laudo pericial não atestou que a morte tenha sido causada exclusivamente pela doença cardíaca preexistente da vítima.
Ao contrário, consignou-se que o infarto “pode ter sido ajudado pelo stress sofrido na data do óbito, pois há sinais de violência e tortura encontrados no exame” -, o que evidencia que a vítima apenas veio a falecer, exatamente, durante o crime praticado pelos acusados, que a agrediram severamente. Considerando que a doença cardíaca, in casu, é concausa preexistente relativamente independente, não há como afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio.

No caso concreto, os autores respondem por latrocínio.
Nem mesmo a aplicação da teoria da imputação objetiva conduziria a outra conclusão. Segundo a doutrina, “[p]ara a teoria da imputação objetiva, o resultado de uma conduta humana somente pode ser objetivamente imputado a seu autor quando tenha criado a um bem jurídico uma situação de risco juridicamente proibido (não permitido) e tal risco se tenha concretizado em um resultado típico”.

Portanto, parece evidente que, ao dirigirem suas ações contra vítima idosa e usarem de exacerbada violência, os agentes criaram, sim, um risco juridicamente proibido – conclusão contrária seria impensável à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Esse risco, concretizou-se em um resultado típico previsto justamente no tipo imputado aos réus (art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal).
STJ. HC 704.718-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023 (info 777).

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