Exemplo didático.
Miguel Jamelão, pessoa com extensa ficha criminal, estava caminhando pela rua quando encontrou uma identidade no chão. Essa identidade pertencia a Pedro de Almeida Melo. Miguel, então, substituiu a foto de Pedro pela sua própria, realizou os ajustes necessários e passou a utilizar o documento.
Certo dia, Miguel estava cometendo um roubo quando foi preso em flagrante. Ele permaneceu preso, mas foi identificado conforme a identidade falsa. Miguel foi condenado com decisão transitada em julgado e ainda estava preso.
Algum tempo depois, Pedro de Almeida precisou de uma certidão negativa criminal. Ao inserir seus dados no sistema da justiça, descobriu a condenação criminal em seu nome. Além disso, percebeu que ele supostamente estaria preso.
De imediato, Pedro procurou um advogado, que propôs uma revisão criminal com fulcro no art. 621, II, do CPP com o objetivo de invalidar o processo em que supostamente foi condenado por cometer um crime de roubo.
A revisão criminal é a ação apta para tal pedido?
Não. A falsidade da identificação civil do réu não é apta a invalidar o processo, nem permite o manejo de revisão criminal por terceiro que teve o nome indevidamente utilizado.
A revisão criminal somente é admissível se houver enquadramento dentro das hipóteses taxativamente previstas no art. 621 do CPP.
A jurisprudência do STJ firma-se no sentido de que a revisão criminal somente é admissível se houver enquadramento dentro das hipóteses taxativamente previstas no art. 621 do CPP. São elas:
Código de Processo Penal.
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I. quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II. quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III. quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
No caso, a revisão criminal foi extinta.
No caso, a Corte de origem entendeu pela extinção da revisão criminal, por ausência de legitimidade da vítima da falsa identidade, na qualidade de terceiro cujos dados foram indevidamente utilizados, para propor a revisional.
Com efeito, o acórdão a quo está fundamentado no sentido de que “a coisa julgada material da condenação não é afetada pela falsidade dos dados pessoais fornecidos à autoridade policial e ao Juízo, e o que se pretende é apenas a retificação dos registros criminais, a revisional se afigura inadequada para alcançar esse desiderato”.
Note-se que a falsidade da identificação civil do réu não é apta a invalidar o processo, nem permite o manejo da revisional por terceiro que teve o nome indevidamente utilizado, pois, como ficou consignado na decisão agravada, “a hipótese dos autos não se enquadra em quaisquer dos requisitos autorizadores para ajuizamento da revisão criminal, pois o verdadeiro autor do crime apurado na ação penal originária foi identificado fisicamente e condenado com base em provas idôneas, havendo equívoco somente quanto a sua qualificação, uma vez que se identificou como sendo a pessoa do ora recorrente”.
No caso, basta a simples ratificação dos dados do condenado.
Consoante dispões o art. 259 do CPP:
Código de Processo Penal.
Art. 259. A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes.
Por sua vez, as disposições do artigo 621, II, do Código de Processo Penal referem-se à condenação calcada em prova falsa causadora de condenação de um inocente, e não em mera identificação falsa do verdadeiro culpado despida de apresentação de documento de identificação materialmente falsos.
Para evitar maiores problemas, foi concedido habeas corpus de ofício.
Constatada a situação de irregularidade e o constrangimento ilegal dela decorrente, o Tribunal de origem concedeu habeas corpus, de ofício, na ação revisional, para suspender execução penal contra a vítima da falsa identidade, até que, no processo principal seja identificado o verdadeiro autor dos fatos descritos na ação penal, determinando o recolhimento de eventual mandado de prisão expedido em seu desfavor.
“Tal providência revela-se adequada e suficiente, porquanto, certa a identidade física do agente, eventuais irregularidades quanto a sua qualificação, equívoco que pode ser corrigido a qualquer tempo, inclusive, durante o processo de execução penal, não possui o condão de impedir o prosseguimento da ação penal ou de invalidar o édito condenatório contra ele proferido, na inteligência do art. 259, do CPP.”
Imperativo, no entanto, que haja celeridade na retificação dos dados, com a exclusão do nome do terceiro dos registros policiais e judiciais, evitando-se, assim, maiores prejuízos.
STJ. AgRg no REsp 2.119.595-MT, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 9/4/2024, DJe 24/4/2024 (info 815).