Caso concreto.
O Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1089) para impedir que parentes até segundo grau ocupem, simultaneamente, os cargos de chefia dos Poderes Legislativo e Executivo da mesma unidade federativa.
Segundo a legenda, tem se tornado cada vez mais comum que pai e filho ocupem, ao mesmo tempo, a presidência da Casa Legislativa e a prefeitura ou governo estadual. O propósito da ação é evitar que, por exemplo, o presidente de uma Câmara Municipal seja filho do respectivo prefeito, ou que o presidente de uma Assembleia Legislativa estadual seja filho ou cônjuge do governador, e, ainda, que a presidência da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal seja ocupada por filho ou parente até segundo grau do presidente da República.
O PSB argumenta que a oligarquização do poder político foi combatida pelo texto constitucional e que o parágrafo 7º do artigo 14 da Constituição Federal estabeleceu a denominada “inelegibilidade por parentesco”. Contudo, cita diversos exemplos para sustentar que essa prática tem se tornado cada vez mais comum.
De acordo com o partido, o domínio de uma mesma família na chefia de dois poderes compromete a moralidade e a impessoalidade da administração pública e afeta a fiscalização das ações e das contas do Executivo. “É inimaginável que o filho aceitaria um pedido de impeachment contra o próprio pai”, exemplifica.
O partido pede a concessão de medida cautelar para impedir a prática a partir do mandato das Mesas Diretoras do biênio 2025/2026, preservando-se mandatos já iniciados em âmbito municipal e estadual em biênios anteriores. No mérito, pede que o STF defina tese no mesmo sentido.
A ação foi julgada procedente?
Não. Entendeu-se que a inelegibilidade por parentesco (CF/1988, art. 14, § 7º) não impede que cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau, ocupem, concomitantemente e na mesma unidade da Federação, os cargos de chefe do Poder Executivo e de presidente da Casa Legislativa.
Art. 14, §7º, da Constituição Federal: inelegibilidade reflexa.
O §7º do artigo 14 da Constituição Federal de 1988 estabelece uma regra de inelegibilidade que visa evitar a concentração de poder político dentro de uma mesma família, prevenindo práticas de nepotismo e favorecimento indevido. Trata-se de inelegibilidade reflexa.
Constituição Federal.
Art. 14, § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
De acordo com esse dispositivo, cônjuges e parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, de Presidentes da República, Governadores de Estado ou Território, do Distrito Federal, Prefeitos ou de quem os tenha substituído nos seis meses anteriores à eleição, não podem se candidatar a cargos eletivos no mesmo território de jurisdição do titular. Essa regra aplica-se para garantir que a influência e o poder do titular do cargo não sejam utilizados para favorecer seus parentes, assegurando um processo eleitoral mais justo e equilibrado.
Exceção: quando o cônjuge ou parente já é titular de mandato eletivo e esteja concorrendo à reeleição.
A exceção a essa regra é prevista para os casos em que o cônjuge ou parente já é titular de mandato eletivo e esteja concorrendo à reeleição. Nessa situação, a candidatura é permitida porque a pessoa já ocupava um cargo eletivo antes do período de inelegibilidade estipulado, e sua candidatura à reeleição não caracteriza um novo favorecimento, mas a continuidade de um mandato obtido por meio de sufrágio popular. Assim, o §7º equilibra a necessidade de prevenir abusos de poder com o respeito ao direito dos indivíduos de se candidatarem e serem eleitos.
A inelegibilidade reflexa deve ser interpretada restritivamente.
O dispositivo constitucional mencionado, ao veicular regra de inelegibilidade reflexa, limita o exercício dos direitos políticos fundamentais, razão pela qual deve ser interpretado restritivamente.
Compete ao Poder Legislativo definir novas hipóteses de inelegibilidade, de modo que é defeso ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo e editar norma geral e abstrata referente ao processo eleitoral, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos Poderes.
Em tese, é possível que parentes de segundo grau ocupem simultaneamente as chefias do poder legislativo e executo local.
Nesse contexto, a ocupação simultânea das chefias do Poder Executivo e do Poder Legislativo nos âmbitos municipal, estadual e federal, por pessoas com alguma relação familiar, não representa, por si só, prejuízo à fiscalização dos atos do Executivo pelo Legislativo ou comprometimento do equilíbrio entre os Poderes, notadamente porque essa responsabilidade fiscalizatória cabe a todos os parlamentares da respectiva Casa Legislativa.
Possibilidade de avaliação de casos concretos.
Por outro lado, o Poder Judiciário pode examinar, quando provocado, casos concretos em que se demonstre que o exercício simultâneo das chefias do Poderes Legislativo e Executivo compromete os princípios republicano e da separação de Poderes.
A ação foi julgada improcedente.
Com base nesses e outros entendimentos, o Plenário, por maioria, converteu o exame da medida cautelar em análise definitiva de mérito e julgou improcedente a ação.
STF. ADPF 1.089/DF, relatora Ministra Cármen Lúcia, julgamento finalizado em 05.06.2024 (info 1140).