Exemplo Didático:
Imagine que Pedro, Ana e Carlos são sócios de uma empresa. Eles foram acusados de sonegar impostos ao não declararem todas as vendas. Com o dinheiro sonegado, compraram carros e imóveis em nomes de terceiros para ocultar a origem do dinheiro, configurando, assim, um possível crime de lavagem de dinheiro. Eles também foram acusados de formar uma organização criminosa, pois agiram juntos com o objetivo de cometer crimes financeiros.

Durante a ação, porém, eles decidem pagar todos os impostos devidos, mais as multas aplicadas. Com esse pagamento, o juiz de primeira instância decide que não há mais punição pelo crime de sonegação fiscal, extinguindo essa punibilidade.

O pagamento integral do tributo extingue a punibilidade.
O pagamento integral do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o trânsito em julgado da condenação, é causa de extinção da punibilidade do agente, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003.

O pagamento integral do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o trânsito em julgado da condenação, é causa de extinção da punibilidade do agente, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003.
Por outro lado, caso o agente ingresse no regime de parcelamento dos débitos tributários, a pretensão punitiva penal do Estado ficará suspensa, e, consequentemente haverá a suspensão do processo.
STJ. 5ª Turma.HC 362478-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/9/2017 (Info 611).
STF. 2ª Turma. RHC 128245, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 23/08/2016.

Voltando ao exemplo…
Agora, com a sonegação fiscal (crime antecedente) não mais sendo considerada um crime pela quitação do débito, os réus impetram habeas corpus pedindo o trancamento da ação penal pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro.

A ação criminal pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro deve ser trancada?
Sim. A inexistência de delito antecedente exclui a tipicidade do crime de lavagem de dinheiro e torna insubsistente a imputação do crime de organização criminosa, pela ausência da prática de infrações penais.

Controvérsia.
Cinge a controvérsia a definir a repercussão jurídica do reconhecimento da atipicidade do crime antecedente (sonegação fiscal) apto a configurar lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Houve extinção da punibilidade do crime antecedente.
Na origem, ressoa que os acusados efetuaram a quitação do tributo e da multa aplicada antes da sua constituição definitiva. Assim, em momento posterior ao recebimento da inicial acusatória, o juízo de primeiro grau extinguiu a punibilidade com relação ao crime contra a ordem tributária (art. 1º, V, art. 11 e art. 12, I da Lei 8.137/1990) ante o pagamento integral do débito, mantendo hígidas as demais imputações.
Lei nº 8.137/1990 – Crimes contra a ordem tributária.
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (…)
V. negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
(…)
Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°:
I. ocasionar grave dano à coletividade;

Reconhecida a atipicidade do crime antecedente, os réus requereram o trancamento das ação penal também em relação aos crimes de lavagem de dinheiro e de organização criminosa.
Reconhecida a atipicidade da conduta apontada como crime antecedente, os réus pugnaram pelo trancamento da ação penal com relação aos delitos de lavagem de dinheiro (art. 1º, §2º, I da Lei n. 9.613/1998) e de organização criminosa (art. 2º, caput, § 4º da Lei n. 12.850/2013). O Tribunal a quo entendeu que, por serem delitos autônomos, não haveria constrangimento ilegal na continuidade da persecução penal.

Com relação ao crime de lavagem de capitais, a matéria encontra-se positivada pelos seguintes dispositivos da Lei n. 9.613/1998:

Lei nº 9.613/1998 – Lavagem de capitais.
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
(…)
II. independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento;
(…)
§ 1º A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.

O crime de lavagem de dinheiro é crime acessório, mas para a condenação basta a presença de indícios suficientes da existência do crime antecedente.
O crime de lavagem de dinheiro é crime acessório. Cediço, pois, que para a configuração do delito, imperiosa a existência de infração penal antecedente, que se configura elemento normativo do tipo.

Sobre o tema, convém destacar que a orientação jurisprudencial desta Corte é no sentido de que, para a configuração do delito de lavagem de capitais não é necessária a condenação pelo delito antecedente, tendo em vista a autonomia do primeiro crime em relação ao segundo. Basta, apenas, a presença de indícios suficientes da existência do crime antecedente (AgRg no AgRg no HC n. 782.749/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 26/5/2023).

Regra da acessoriedade limitada.
Estabelecida a natureza acessória objetiva do crime de lavagem de capital, resta aferir sua amplitude. Sobre o tema, a doutrina assenta que o legislador adotou a regra da acessoriedade limitada, ou seja, a conduta anterior deve ser típica e ilícita. Partindo de igual premissa, a Sexta Turma desta Corte assim já decidiu:

(…) 3. Na espécie sequer se discute a falta de prova do crime antecedente, mas, ao contrário, certa é a inexistência do crime, pois indispensável à configuração do delito de sonegação tributária é a prévia constituição definitiva do tributo.
4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro.
STJ. RHC n. 73.599/SC, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 13/9/2016, DJe de 20/9/2016.

No caso, a conduta anterior foi apontada com atípica, excluindo a tipicidade do delito de lavagem de capitais.
No caso, é incontroverso que a única conduta apontada como crime anterior (sonegação fiscal) foi reconhecida como atípica. Assim, a não existência de crime antecedente exclui a própria tipicidade do delito de lavagem de capitais.

A mesma razão de decidir se aplica, no caso, ao delito de organização criminosa.
A Lei n. 12.850/2013, em seu art. 1º, define organização criminosa nos seguintes termos:

Lei nº 12.850/2013 – Organização criminosa.
Art. 1º, § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Note-se que, além do número de pessoas, reunidas de modo ordenado e estruturado, com estabilidade e permanência, para a configuração do delito é imprescindível a prática de infrações penais.

No caso concreto, não há crime antecedente.
Na espécie, a denúncia aponta que os réus, representantes legais da empresa, compunham a organização criminosa como beneficiários de esquema de fraude fiscal, com o escopo de sonegar ICMS devido ao Estado da Paraíba. Assim, o suposto liame subjetivo dos agentes tinha como objetivo cometer crime de sonegação fiscal e de lavagem de dinheiro.

Ocorre que, consoante já visto, fora declarada a extinção da punibilidade da conduta apontada como crime contra a ordem tributária pelo primeiro grau de jurisdição. Como consequência, ausente delito antecedente, a imputação de lavagem de capitais não se sustenta. Nesse sentido, uma vez reconhecido que a ação dos acusados na gestão da sociedade empresária não configura delito, é consectário lógico a ausência de materialidade do crime de organização criminosa.
STJ. RHC 161.701-PB, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 19/3/2024 (info 805).

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