Conceitos Necessários ao Entendimento do Julgado.
Tenant mix: é a organização estratégica do espaço do shopping center, envolvendo a seleção e a disposição das lojas, áreas de lazer, e outras facilidades para atrair consumidores. É um conceito fundamental para o sucesso de um shopping center, impactando diretamente a atração de clientes e a lucratividade das lojas.
Princípios da Autonomia da Vontade e Pacta Sunt Servanda:
Autonomia da Vontade: Este princípio permite que as partes ajustem livremente as cláusulas do contrato, desde que não contrariem a ordem pública e os bons costumes.
Pacta Sunt Servanda: Significa que os contratos devem ser cumpridos conforme acordado pelas partes, salvo situações excepcionais que justifiquem sua revisão ou rescisão.
Exemplo Didático.
Imagine um shopping center chamado “Shopping ABC”. A administração do Shopping ABC decide incluir uma nova loja de roupas femininas, a “Moda Trend”, que vende produtos similares a outra loja já estabelecida, chamada “Fashion Point”.
O contrato da Fashion Point com o Shopping ABC prevê a possibilidade de alterações no tenant mix. Após a abertura da Moda Trend, a Fashion Point percebe que suas vendas não aumentaram como esperado e questiona a administração do shopping, alegando que a concorrência direta é prejudicial.
A Fashion Point pode exigir a retirada da Moda Trend do Shopping ABC, alegando que a nova loja está prejudicando seu negócio?
Não, a Fashion Point não pode exigir a retirada da Moda Trend. O julgado do STJ (REsp 2.101.659-RJ) deixa claro que a presença de lojas concorrentes no mesmo shopping center não é, por si só, uma prática desleal ou contrária ao contrato, desde que essa concorrência não viole os termos acordados ou a boa-fé objetiva. O contrato da Fashion Point já previa a possibilidade de revisão e ampliação do tenant mix, e não houve desrespeito ao contrato por parte do Shopping ABC.
Natureza empresarial do contrato.
O contrato de locação em shopping center tem índole marcadamente empresarial. Os sujeitos da relação obrigacional são empresários (pressuposto subjetivo) e seu objeto decorre da atividade empresarial por eles exercida (pressuposto objetivo).
Essa constatação atinge diretamente a forma como o contrato deve ser interpretado, pois a atividade empresarial é caracterizada pelo risco e regulada pela lógica da livre concorrência, devendo prevalecer nesses ajustes, salvo situação excepcional, a autonomia da vontade e o princípio do pacta sunt servanda.
Tenant Mix.
O tenant mix, por sua vez, refere-se à organização do espaço e é uma das principais características de um shopping center. Nesse contexto, cabe ao empreendedor a escolha das lojas que comporão o empreendimento, a instalação de áreas de lazer e a realização de propaganda e promoções. Essas estratégias servem para atrair o maior número de consumidores ao empreendimento e alcançar a melhor lucratividade, finalidade que atende aos interesses dos lojistas e do próprio shopping, que faz jus ao recebimento de aluguel calculado sobre o faturamento.
Muitas vezes o posicionamento de lojas concorrentes próximas umas das outras é estratégico para os lojistas.
Apesar de, em um primeiro momento, parecer que a concorrência entre lojas no mesmo shopping center não é a melhor estratégia, o fato é que em empreendimentos maiores é comum a presença de lojas do mesmo segmento concorrendo entre si, instaladas lado a lado, ou frente a frente, como no caso das lanchonetes de fast food, lojas de sapato e roupas, trazendo atratividade para o shopping, beneficiando os consumidores e, portanto, os demais lojistas.
Sob essa perspectiva, não está vedado ao empreendedor do shopping, caso entenda que a concorrência trará benefícios para a organização das lojas (tenant mix), optar pela instalação de lojas concorrentes, desde que essa opção não implique desrespeito aos contratos firmados com os lojistas. De fato, cabe ao lojista avaliar se os custos para participar daquele empreendimento, no qual pode enfrentar alguma concorrência, compensam.
Não é possível, porém, garantir que o aumento do número de clientes e das vendas resultará no incremento dos lucros dos lojistas, pois várias causas concorrem para esse fim, a exemplo do presente caso em que o faturamento do estabelecimento já estava em declínio antes mesmo da instalação do segundo lojista de mesmo ramo de atividade.
O contrato previsa expressamente a possibilidade de revisão do tenant mix.
No caso, o contrato previa expressamente a possibilidade de ampliação e revisão do tenant mix e haviam sido inaugurados diversos centros de compras na região ao redor do shopping ora recorrente, de modo que a alteração e ampliação do tenant mix não pode ser considerada uma conduta desarrazoada, violadora da boa-fé objetiva. Ainda, foi constatado que o faturamento do estabelecimento já vinha em declínio antes mesmo da instalação do segundo lojista de mesmo ramo de atividade, não tendo sido efetivamente constatada a violação do contrato firmado entre as partes ou do tenant mix, diante da necessidade de enfrentamento das novas situações de mercado.
STJ. REsp 2.101.659-RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024 (info 814).