Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia acerca do manejo da Ação Popular para fins de controle de atos da Administração Pública. Na hipótese, a referida Ação foi proposta por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, buscando a anulação de acórdão proferido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, o qual negou provimento a recurso administrativo aviado pela Fazenda Nacional, mantendo, consequentemente, decisão exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento – DRJ.
Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais – CARF.
O CARF, ou Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, é um órgão colegiado integrante do Ministério da Fazenda no Brasil. Ele é responsável por julgar, em segunda instância administrativa, os recursos de autuações fiscais e tributos federais. O CARF atua como uma instância de revisão das decisões tomadas pela Receita Federal, permitindo que contribuintes contestem autuações fiscais sem a necessidade de recorrer diretamente ao judiciário.
A composição do CARF é caracterizada por sua natureza paritária, o que significa que ele é formado por representantes de ambos os lados envolvidos nos processos fiscais:
Representantes da Fazenda Nacional: São servidores públicos, geralmente auditores fiscais, que representam os interesses do fisco. Eles são indicados pelo Ministério da Fazenda.
Representantes dos Contribuintes: São profissionais indicados por confederações representativas de categorias econômicas ou entidades de classe. Esses representantes trazem a perspectiva dos contribuintes para o julgamento dos casos.
Essa composição paritária visa garantir um equilíbrio nas decisões, com a presença de vozes tanto do governo quanto do setor privado, buscando uma análise justa e imparcial dos casos tributários.
Portanto, dentre os conselhos deliberativos legalmente instituídos como corolários da democracia participativa, o Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais – CARF destaca-se pela sua composição deliberativa paritária e imanente função de decidir acerca dos litígios tributários de alçada federal, cujas decisões foram dotadas de caráter definitivo, sejam elas favoráveis ou contrárias aos interesses do Fisco, como se verifica dos regramentos previstos nos arts. 42, II e III, 43 e 45 do Decreto n. 70.235/1972
Possibilidade do contribuinte impugnar o crédito tributário lançado pelo fisco.
Consoante a dicção dos arts. 142 e 145, I, do Código Tributário Nacional, uma vez constituído o crédito tributário pelo lançamento – ato administrativo vinculado mediante o qual se procede à identificação dos sujeitos da relação tributária, bem como à apuração do valor a ser pago a título de tributo, de modo a conferir exigibilidade ao correspondente crédito -, faculta-se ao contribuinte ou ao responsável a apresentação de impugnação tendente a modificar, a alterar ou a extinguir a exigência fiscal.
No âmbito federal, a insurgência apresentada em face do lançamento inaugura a fase litigiosa do contencioso tributário, cabendo a órgãos integrantes da Administração Pública, compostos por representantes dos contribuintes, deliberação definitiva acerca da matéria. Tal processo administrativo fiscal federal é regulado pelos arts. 14 e 25 do Decreto n. 70.235/197, de modo que o julgamento dos recursos apresentados pelos sujeitos passivos incumbe, em primeira instância, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento – DRJ, e, em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, órgão colegiado e paritário integrante da estrutura do Ministério da Fazenda.
As decisões do CARF devem obedecer ao princípio da legalidade. Além disso, não são passíveis de revisão por nenhum outro órgão administrativo.
A despeito de sua composição paritária, o CARF constitui órgão componente da estrutura administrativa da União – estando, por isso, jungido ao princípio da legalidade -, razão pela qual suas decisões são imputadas diretamente à pessoa jurídica da qual é parte integrante. À falta de previsão normativa em sentido diverso, porquanto seus julgados não são passíveis de revisão por nenhum outro órgão administrativo, atribuindo-se, por isso, primazia às deliberações tomadas em ambiente dialógico entre membros do corpo social e servidores públicos efetivos.
A par disso, a instituição, no âmbito da Administração Pública Federal, de estrutura hierárquica para a solução dos conflitos fiscais e na qual o CARF figura como instância máxima, privilegia a resolução extrajudicial de litígios, viabilizando, em consequência:
(i) o célere encerramento de contendas tributárias em ambiente consensual e
(ii) o incremento da cultura de estímulo à desjudicialiazação, diretrizes fundantes da Política Judiciária de Tratamento à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário aprovada pela Resolução CNJ n. 471/2022 (art. 2º, VI e VII).
É possível propor ação popular em face de decisão do CARF?
A invalidação, pelo Poder Judiciário, de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco, somente é possível quando eivado de manifesta ilegalidade, contrário a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorrido em desvio ou abuso de poder.
Assim, conquanto não se olvide sua natureza administrativa – legitimando, por tal razão, o manejo de ação popular por qualquer cidadão visando à invalidação de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco -, eventual controle judicial de suas conclusões deve considerar o papel reservado ao indicado colegiado na estrutura da Administração Pública Federal, especialmente quando do escrutínio das teses jurídicas levadas em conta para a consolidação do juízo hermenêutico acerca da interpretação da legislação tributária, de modo a somente afastar as conclusões alcançadas se eivadas de manifesta ilegalidade, contrárias a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorridas em desvio ou abuso de poder.
Exegese diversa teria o condão de tornar irrelevante a participação da sociedade civil na tomada de decisões pelo Poder Público e supérfluo o principal mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias tributárias federais, uma vez que acórdãos exonerativos do dever de pagar tributos sempre estariam sujeitos à revisão por instância distinta, independentemente de quaisquer outras indagações substantivas.
STJ. REsp 1.608.161-RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024, DJe 9/8/2024 (info 820).