Caso concreto.
Ação civil pública foi ajuizada, em 2018, contra particular, a municipalidade e empresa pública estadual (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano Estadual – CDHU) em razão de maus-tratos identificados desde 2012 em abrigo clandestino de animais. A particular instalou o abrigo em área pública abandonada. Na vistoria, que ocorreu 6 (seis) anos após a ocupação, havia 107 (cento e sete) cães com diversos problemas, inclusive presença de roedores e raiva.

Firmado termo de ajustamento de conduta, a área foi desocupada. Porém, verificou-se a mudança do canil clandestino para outro imóvel, igualmente da CDHU, igualmente com problemas e sem licença. Nessa feita, identificou-se contaminação ambiental do solo e instalação desautorizada de poço. Visou a ação:
I) impedir que a particular introduzisse novos animais no canil clandestino, bem como permitir a remoção dos existentes;
II) a CDHU proceder à recuperação ambiental de seus imóveis e os fiscalizar contra novas invasões; e
III) o município acolher os animais em local adequado, com acompanhamento veterinário e encaminhamento para doação ou destinação a entidades de proteção.

Os pedidos foram acolhidos na sentença e mantidos no acórdão recorrido, que apenas ampliou o prazo de implementação das medidas administrativas e ambientais de 60 (sessenta) para 180 (cento e oitenta) dias.

Legitimidade do município.
No que tange à ilegitimidade passiva do município, o acórdão, a despeito de menção à norma local e à Constituição da República, funda-se na responsabilidade administrativa comum pela fiscalização das violações ambientais. Nesse sentido, o Tribunal local alinha-se à jurisprudência desta Corte:
[…] 4. O ordenamento jurídico brasileiro conferiu a todos os entes federativos o dever-poder de polícia ambiental, que inclui tanto a competência de fiscalização, como a competência de licenciamento, faces correlatas, embora inconfundíveis, da mesma moeda, as quais respondem a regime jurídico diferenciado. Para aquela, nos termos da Lei Complementar 140/2011, vigora o princípio do compartilhamento de atribuição (= corresponsabilidade solidária). Para esta, em sentido diverso, prevalece o princípio da concentração mitigada de atribuição, mitigada na acepção de não denotar centralização por exclusão absoluta, já que, com frequência, responde mais a intento pragmático de comodidade e eficiência do que à falta de poder/interesse/legitimidade de outras esferas federativas. Precedentes. […] (AgInt no REsp n. 1.922.574/RN, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 16/12/2021).

Portanto, não há que se falar em ilegitimidade passiva da municipalidade que, ciente dos fatos por 13 (treze) anos, deixou de tomar medidas efetivas para sua solução, penalizando os animais submetidos ao “abrigo”, o que não pode mesmo ser tolerado, inclusive diante da dimensão ecológica da dignidade humana, já reconhecida por este colegiado (REsp n. 1.797.175/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 21/3/2019, REPDJe de 13/5/2019, DJe de 28/3/2019). STJ. AREsp 2.024.982-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022, DJe 24/06/2022 (info 742).

Dimensão ecológica da dignidade humana.
O Superior Tribunal de Justiça, em decisão pioneira e inédita sobre o tema, no julgamento do REsp 1.797.175/SP, da relatoria do ministro Og Fernandes, reconheceu a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e, ademais disso, atribuiu dignidade e direitos aos animais não-humanos e à Natureza. Sobre o tema:

A proteção ao meio ambiente é reconhecida como uma evolução dos direitos humanos. Constituindo-se em um aprofundamento da concepção tradicional. A profunda e estreita relação entre direitos humanos e proteção ao meio ambiente tem sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, assim como tem sido reconhecida pela Corte Constitucional que a proteção ao meio ambiente, ou a alegação de que a ação administrativa se faz em defesa do meio ambiente, não pode ser feita sem a observância dos direitos e garantias individuais. (ANTUNES, 2011, p. 76)

A CF/ 88, artigo 225 e art. 5º, § 2º, por sua vez, seguindo a influência do direito constitucional comparado e mesmo do direito internacional, sedimentou e positivou ao longo do seu texto os alicerces normativos de um constitucionalismo ecológico, atribuindo ao direito o ambiente o status de direito fundamental, em seu sentido formal e material, orientado pelo princípio da solidariedade, conforme inclusive já resultou reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de emblemática decisão relatada pelo Ministro Celso de Melo. (FENSTERSEIFER, SARLET, 2012, p. 39-40)

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