Caso concreto adaptado.
Carlos, ex-diretor de uma grande empresa, foi condenado em uma ação penal por envolvimento em atividades ilícitas relacionadas à sua posição na empresa. Durante o processo, foi determinada a necessidade de reparação financeira pelos danos causados por suas ações. Ao longo de sua carreira, Carlos acumulou uma quantia significativa em sua conta do FGTS.

Antes da conclusão do processo, Carlos transferiu parte desses fundos do FGTS para uma conta de investimento pessoal, buscando preservar seus recursos. Após a condenação, o Ministério Público Federal (MPF), tentando garantir a reparação financeira estipulada na sentença, mirou os fundos que Carlos transferiu para a conta de investimento.

Carlos defendeu que esses valores deveriam permanecer absolutamente impenhoráveis, pois originaram-se do FGTS, que possui natureza indenizatória e proteção legal contra penhora.

Os valores transferidos permanecerão absolutamente impenhoráveis?
Não. O § 2º do art. 2º da Lei n. 8.036/1990 dispõe que “As contas vinculadas em nome dos trabalhadores são absolutamente impenhoráveis.”

No caso, entretanto, a instância de origem afastou a impenhorabilidade absoluta ao fundamento de que o saldo da conta vinculada do FGTS fora transferido para conta de aplicação financeira.

Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte já decidiu que “A ocorrência de transferência dos créditos para conta particular do trabalhador desautoriza a aplicação do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.036/1990.” (REsp 867.062/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 5/9/2008).

Embora o saldo das contas vinculadas pertença aos seus titulares, os recursos do FGTS não têm como única finalidade indenizar o trabalhador.
Dessa forma, é razoável o raciocínio de que, enquanto não havida hipótese de saque, a impenhorabilidade absoluta de que trata o § 2ª do art. 2º da Lei n. 8.036/1990 tem por escopo assegurar a aplicação dos recursos do FGTS nos termos do § 2º do art. 9º da mesma lei, ou seja, em prol da coletividade.

Lei nº 8.036/1990 – Lei do FGTS.
Art. 9º, § 2º Os recursos do FGTS deverão ser aplicados em habitação, saneamento básico, infraestrutura urbana, operações de microcrédito e operações de crédito destinadas às entidades hospitalares filantrópicas, às instituições que atuem com pessoas com deficiência e às entidades sem fins lucrativos que participem do SUS de forma complementar, desde que as disponibilidades financeiras sejam mantidas em volume que satisfaça as condições de liquidez e de remuneração mínima necessárias à preservação do poder aquisitivo da moeda.

Deve-se, entretanto, observar a regra do art. 833, X, do CPC.
Contudo, tendo havido saque e transferência do saldo da conta vinculada, passa a incidir, no regramento sobre impenhorabilidade do saldo na outra conta (conta-investimento), o quanto disposto no inciso X do art. 833 do CPC, o que afasta a regra da impenhorabilidade com base na Lei n. 8.036/1990. O entendimento desta Corte é pela incidência da referida norma processual mesmo a contas de aplicação financeira.

Art. 833. São impenhoráveis:
(…)
X. a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

Nessa linha, “A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido da impenhorabilidade de valor até 40 salários mínimos poupados ou mantidos pelo devedor em conta corrente ou em outras aplicações financeiras, ressalvada a comprovação de má-fé, abuso de direito ou fraude, o que não foi demonstrado nos autos (AgInt nos EDcl no REsp 2.011.412/PR, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 5/5/2023).

Execução de verba salarial.
Por fim, registre-se que a jurisprudência do STJ já admitia a penhora de verba salarial para quitação de qualquer dívida (ou seja, não somente de execução de alimentos) do montante acima de 50 (cinquenta) salários mínimos recebidos pelo executado.

O entendimento evoluiu para, em avaliação a ser feita no caso concreto, afastar até mesmo esse limite. Vejamos:
Na hipótese de execução de dívida de natureza não alimentar, é possível a penhora de salário, ainda que este não exceda 50 salários mínimos, quando garantido o mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família.
STJ. EREsp 1.874.222-DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/4/2023 (info 771).
STJ. REsp 2.021.651-PR, Rel. Ministro João Batista Moreira (Desembargador convocado do TRF1), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 19/9/2023 (info 788).

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