Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia à verificação do dever de cobertura de tratamento de beneficiária de plano de saúde diagnosticada com Pielonefrite em decorrência de complicações de Lúpus Eritematoso, cujo medicamento foi negado sob o fundamento de se tratar de uso off-label.
De fato, o uso do rituximabe (MabThera) para o tratamento da glomerulopatia por lesões mínimas é off-label.
É lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar que não se enquadre em nenhuma das hipóteses de cobertura determinadas pela Lei 9.656/1998.
Com efeito, de acordo com o atual entendimento do STJ, é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, que não se enquadre em nenhuma das hipóteses de cobertura determinadas pela Lei 9.656/1998, quais sejam os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para esse fim.
Ressalta-se que o STJ entende que o medicamento para tratamento domiciliar de que trata o art. 10, VI, da Lei n. 9.656/1998 é aquele adquirido diretamente nas farmácias e autoadministrado pelo paciente, cuja indicação não tenha por fim substituir o tratamento ambulatorial ou hospitalar, nem esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar, excluindo-se dessa classificação a medicação injetável que necessite de supervisão direta de profissional de saúde, por se tratar de hipótese de uso ambulatorial ou espécie de medicação assistida.
É abusiva a recusa de operadora do plano de saúde de custear medicamento registrado na ANVISA, ainda que destinado a uso off-label.
Ainda, a jurisprudência desta Corte há muito se firmou no sentido de ser abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de custear a cobertura do medicamento registrado na ANVISA e prescrito pelo médico do paciente, ainda que seja tratamento off-label, ou utilizado em caráter experimental.
Dessa forma, conclui-se que por qualquer ângulo que se analise a questão, é de rigor a cobertura do tratamento indicado, uma vez que se trata de medicamento de uso ambulatorial, com necessidade de aplicação intravenosa, portanto com necessidade de supervisão de profissional de saúde, devidamente registrado na Anvisa, ainda que indicado seu uso off-label.
STJ. AgInt no AREsp 1.964.268-DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/6/2023, DJe 19/6/2023 (info 782).
APROFUNDANDO!
O judiciário não deve fornecer medicamentos não registrados na ANVISA.
Jurisprudência em Teses, STJ. Ed. 143: 6) As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA. (Tese julgada sob o rito do art. 1.036 do CPC/2015 – TEMA 990)
Jornada de Direito à Saúde: 6) A determinação judicial de fornecimento de fármacos deve evitar os medicamentos ainda não registrados na Anvisa, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei.
Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
A ANVISA é uma autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde. Seu objetivo é promover a saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária (art. 6º). A legislação pertinente ao tema é a Lei nº 9.782/99.
Sem o registro na ANVISA, não há como garantir que o medicamento é seguro. Ademais, importar medicamento sem registro na referida agência constitui infração sanitária (arts. 10, IV, da Lei nº 6.437/77, e arts. 12 e 66, da Lei nº 6.360/76). Pode configurar até mesmo o crime do art. 273 do Código Penal.
E se o medicamento não possuir registro mas houver uma autorização excepcional de importação?
Nesse caso, o Judiciário pode determinar o fornecimento.
É de cobertura obrigatória pela operadora de plano de saúde, o medicamento que, apesar de não registrado pela ANVISA, teve a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida Agência Nacional.
A autorização da ANVISA para a importação excepcional do medicamento para uso próprio sob prescrição médica, é medida que, embora não substitua o devido registro, evidencia a segurança sanitária do fármaco, porquanto pressupõe a análise da Agência Reguladora quanto à sua segurança e eficácia, além de excluir a tipicidade das condutas previstas no art. 10, IV, da Lei n. 6.437/1977, bem como nos arts. 12 c/c 66 da Lei n. 6.360/1976. STJ. REsp 1.943.628-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021 (info 717).
Não confundir com o uso off-label de medicamento.
Uso off-label é simplesmente aquele feito “fora da bula”. Portanto, é quando o médico prescreve o medicamento par um tratamento que não está previsto na bula.
A Lei n. 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) estabelece que as operadoras de plano de saúde estão autorizadas a negar tratamento clínico ou cirúrgico experimental (art. 10, I). Por sua vez, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou a Resolução Normativa n. 338/2013, vigente ao tempo da demanda, disciplinando que é considerado tratamento experimental aquele que não possui as indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label).
A jurisprudência do STJ está sedimentada no sentido de que é o médico, e não a operadora do plano de saúde, o responsável pela orientação terapêutica adequada ao paciente.
Desse modo, ao estabelecer que a operadora está autorizada a negar cobertura de tratamento clínico ou cirúrgico que “não possui as indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label)”, a ANS acaba por substituir abstrata e previamente a expertise médica pela ingerência da operadora. Nesse sentido, a doutrina afirma que “o tratamento previsto no art. 10, I, da Lei n. 9.656/1998 não abrange o uso off-label do medicamento”, em reconhecimento de que a resolução normativa da ANS “ultrapassou os limites da mera regulamentação do art. 10, I, da Lei n. 9.656/1998”.
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I. tratamento clínico ou cirúrgico experimental; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
A recusa da operadora do plano de saúde em custear medicamento registrado pela ANVISA e prescrito pelo médico do paciente é abusiva, ainda que se trate de fármaco off-label ou utilizado em caráter experimental, especialmente na hipótese em que se mostra imprescindível à conservação da vida e saúde do beneficiário.
STJ. AgInt no AREsp 1.964.268-DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/6/2023, DJe 19/6/2023 (info 782).
Jurisprudência em Teses, STJ. Ed. 143:
7) É abusiva a recusa da operadora de plano de saúde em arcar com a cobertura de medicamento prescrito pelo médico para tratamento do beneficiário, ainda que se trate de fármaco off-label, ou utilizado em caráter experimental, não previsto em rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
O caráter experimental a que faz referência o art. 10, I da Lei nº 9.656/98, diz respeito ao tratamento clínico ou cirúrgico incompatível com as normas de controle sanitário ou, ainda, aquele não reconhecido como eficaz pela comunidade científica.
Assim, a ingerência da operadora, além de não ter fundamento na Lei n. 9.656/98, constitui ação iníqua e abusiva na relação contratual, e coloca concretamente o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, do CDC). REsp 1.721.705-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/08/2018, DJe 06/09/2018. (Info. 612)
E no âmbito do SUS? (Vide art. 19-T da Lei nº 8.080/1990)
O Estado não é obrigado a fornecer medicamento para utilização off-label, salvo autorização da ANVISA. STJ. PUIL 2.101-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª Seção, por unanimidade, julgado 10/11/2021 (info 717).