Lei nº 3.498/2010, alterada pela Lei nº 5.671/2021, ambas do Estado do Amazonas.
A Lei nº 3.498/2010, alterada pela Lei nº 5.671/2021, ambas do Estado do Amazonas prevê em seu art. 2º, §1º que, em concursos públicos para a polícia militar, serão destinadas, no mínimo, 10% (dez por cento) das vagas previstas em concurso para os quadros de combatentes às candidatas do sexo feminino.

Na prática, os concursos públicos para a carreira traziam um percentual de vagas para as mulheres, que estavam impedidas de concorrer a totalidade das vagas. Por exemplo: 90% das vagas seriam para homens e 10% das vagas para mulheres.

A previsão é constitucional?
Não. O dispositivo deve receber interpretação conforme a Constituição, assegurado o direito de concorrer à totalidade das vagas oferecidas nos certames, para além da reserva de 10% de vagas exclusivas, estabelecida pelo dispositivo que deve ser reconhecido como política de ação afirmativa.

A reserva de vagas para candidatas do sexo feminino para ingresso na carreira da Polícia Militar, disposta em norma estadual, não pode ser compreendida como autorização legal que as impeça de concorrer à totalidade das vagas disponíveis em concursos públicos, isto é, com restrição e limitação a determinado percentual fixado nos editais.

Dever de inclusão de grupos historicamente vulnerabilizados.
A Constituição Federal estabelece o dever de inclusão de grupos historicamente vulnerabilizados. Desse modo, descabe aos poderes públicos estabelecer restrições, proibições ou impedimentos para a concretização do direito de acesso a cargos públicos. Ao contrário, cabe ao Estado incentivar e fomentar medidas direcionadas à inserção das mulheres (que compõem a maioria da população brasileira) na vida pública e laboral, especialmente, quando o tema envolve a sua integração nas forças de segurança, historicamente ocupadas por pessoas do sexo masculino.

Na prática, havia a previsão de uma cota máxima (e não de uma cota mínima) de mulheres.
No caso, a interpretação restritiva resultaria em distorção do objetivo de proteção inicialmente estabelecido pela norma estadual. Ao invés de se fixar uma cota mínima às mulheres na corporação, a reserva de vagas de 10% seria compreendida como limite máximo, configurando desvio da finalidade da lei como política de ação afirmativa.

Direitos violados.
Uma interpretação dessa espécie viola diversos dispositivos e princípios constitucionais, como:
• o direito à não discriminação em razão de sexo (CF/1988, art. 3º, IV);
• o direito à isonomia e à igualdade entre homens e mulheres (CF/1988, art. 5º, caput e I);
• o direito à proteção do mercado de trabalho da mulher (CF/1988, art. 7º, XX);
• a proibição à adoção de qualquer critério discriminatório por motivo de sexo, quando da admissão em ocupações públicas (CF/1988, art. 7º, XXX);
• a universalidade do concurso público, em que o direito de acesso a cargos, empregos e funções públicas é conferido a todas as brasileiras e a todos os brasileiros que cumprirem os requisitos previstos em lei (CF/1988, art. 37, I);
• além da reserva legal para o estabelecimento de eventuais requisitos diferenciadores na admissão de servidores públicos, quando exigido pela natureza do cargo (CF/1988, art. 39, § 3º).

Interpretação conforme a Constituição.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 2º, § 2º, da Lei nº 3.498/2010, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 5.671/2021, ambas do Estado do Amazonas, a fim de se afastar qualquer exegese que admita restrição à participação de candidatas do sexo feminino nos concursos públicos para combatentes da corporação militar, sendo-lhes assegurado o direito de concorrer à totalidade das vagas oferecidas nos certames, para além da reserva de 10% de vagas exclusivas, estabelecida pelo dispositivo que deve ser reconhecido como política de ação afirmativa.
STF. ADI 7.492/AM, relator Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado 09.02.2024 (info 1123).

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