Leis estaduais que limitam vagas para agentes policiais mulheres.
Diversas leis estaduais preveem a reserva de um percentual mínimo de vagas para candidatas do sexo feminino. No entanto, a interpretação literal dessas leis pode levar à conclusão de que as mulheres podem concorrer apenas ao percentual de vagas reservado, e não à totalidade das vagas.

Por exemplo, a Lei nº 16.826/2019 do Estado do Ceará estabelece uma reserva de 15% das vagas para mulheres. Pela interpretação literal da lei, em um concurso com 100 vagas, 85 seriam destinadas a homens e 15 a mulheres, limitando a participação feminina às vagas reservadas.

Essa interpretação pode gerar distorções e comprometer a igualdade de oportunidades, motivo pelo qual é fundamental considerar a totalidade das vagas disponíveis, permitindo que as candidatas do sexo feminino concorram a todas as vagas oferecidas. Vejamos alguns exemplos:
Lei nº 7.823/2014 do Estado de Sergipe:
Art. 1º, § 1º O preenchimento das vagas de Postos e Graduações Policiais Militares, resultantes da execução ou aplicação desta Lei, deve ser realizado por promoção, por admissão mediante seleção (concurso), ou por incorporação, de acordo com a legislação pertinente, ficando estipulado um mínimo de 10% (dez por cento) de vagas para candidatos do sexo feminino, quando a seleção for efetivada por concurso público, até que se complete o efetivo fixado nesta Lei.

Lei Complementar nº 194/2012 do Estado de Roraima:
Art. 17. O ingresso na carreira militar é facultado a todos os brasileiros, mediante aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, observadas as condições estabelecidas neste Estatuto e que preencham os seguintes requisitos: (…)
§ 4º Das vagas ofertadas no concurso público, 15% (quinze por cento) serão destinadas às candidatas do sexo feminino.

Lei nº 16.826/2019 do Estado do Ceará:
Art. 2º Deverão ser asseguradas vagas mínimas, nos concursos públicos para preenchimento de cargos e funções da área da segurança pública, destinadas exclusivamente a mulheres, em percentual não inferior a 15% (quinze por cento), sendo consideradas para o cálculo mencionado os policiais civis e militares e os agentes penitenciários.

Essas leis são constitucionais?
O STF conferiu interpretação conforme a Constituição para definir a fim de afastar qualquer interpretação que admita restrição à participação de candidatas do sexo feminino nos concursos públicos neles referidos.

A reserva não pode ser interpretada como autorização para impedir que elas possam concorrer à totalidade das vagas oferecidas.
A reserva legal de percentual de vagas a ser preenchido, exclusivamente, por mulheres, em concursos públicos da área de segurança pública estadual, não pode ser interpretada como autorização para impedir que elas possam concorrer à totalidade das vagas oferecidas.

É vedada a interpretação que legitime a imposição de qualquer limitação à participação de candidatas do sexo feminino nos referidos certames, visto que é inadmissível dar espaço a discriminações arbitrárias, notadamente quando inexiste, na respectiva norma, qualquer justificativa objetiva e razoável tecnicamente demonstrada para essa restrição.

Fundamentos.
Nesse contexto, a solução da controvérsia considerou principalmente:
(i) o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo (CF/1988, art. 3º, IV);
(ii) o direito de amplo acesso a cargos públicos, empregos e funções públicas;
(iii) a clara preocupação da Constituição Federal em garantir a igualdade entre os gêneros (art. 5º, caput e I);
(iv) a ausência de especificidade no texto constitucional relativa à participação de mulheres nos certames de ingresso aos cargos;
(v) a necessidade de incentivo, via ações afirmativas, à participação feminina na formação do efetivo das áreas de segurança pública, com a finalidade de resguardar a igualdade material; e
(vi) a inexistência de previsão legal devidamente justificada que possa validar a restrição, total ou parcial, do acesso às vagas.

Conclusão.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, por unanimidade, julgou procedente as ações para conferir interpretação conforme a Constituição ao:
(i) art. 1º, § 1º, da Lei nº 7.823/2014 do Estado de Sergipe,
(ii) art. 17, § 4º, da Lei Complementar nº 194/2012 do Estado de Roraima; e
(iii) art. 2º da Lei nº 16.826/2019 do Estado do Ceará…

…a fim de afastar qualquer interpretação que admita restrição à participação de candidatas do sexo feminino nos concursos públicos neles referidos.

Modulação de efeitos.
O Tribunal ainda modulou os efeitos da decisão para preservar os concursos já finalizados quando da publicação da ata do presente julgamento.
STF. ADI 7.480/SE, ADI 7.482/RR, ADI 7.491/CE, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 10.05.2024 (info 1136).

Em igual sentido: A reserva de vagas para candidatas do sexo feminino para ingresso na carreira da Polícia Militar, disposta em norma estadual, não pode ser compreendida como autorização legal que as impeça de concorrer à totalidade das vagas disponíveis em concursos públicos, isto é, com restrição e limitação a determinado percentual fixado nos editais.
STF. ADI 7.492/AM, relator Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado 09.02.2024 (info 1123).

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