Direito de sepultura.
Na jurisprudência desta Corte, nos poucos precedentes sobre o tema, definiu-se que o jus sepulchri (direito de sepultura) em cemitérios públicos é regido pelo direito público, enquanto o jus sepulchri em cemitério particular é regido pelo direito privado, aplicando-se, inclusive, o Código de Defesa do Consumidor (REsp n. 747.871/RS, Segunda Turma, DJe 18/11/2008; e REsp n. 1.090.044/SP, Terceira Turma, DJe 27/6/2011).

A par das diversas classificações defendidas (enfiteuse, propriedade limitada ou resolúvel, servidão etc.), tem-se que o jus sepulchri mais se assemelha ao direito real de uso do jazigo, que pode ser cedido pelo cemitério particular ao interessado. Não se trata, todavia, de um comum direito real de uso, previsto no Código Civil.

Exemplo Didático
Pedro adquiriu de um cemitério particular o direito de uso perpétuo de um jazigo. Após alguns anos, Pedro enfrenta dificuldades financeiras e não consegue mais arcar com as taxas de manutenção, decidindo então solicitar a rescisão do contrato. Ele busca não apenas a rescisão mas também a restituição dos valores pagos, argumentando que não usará mais o jazigo.

O cemitério concorda com a rescisão, mas surge a questão da restituição do valor pago por João. O cemitério propõe reter parte do valor para compensar o período durante o qual João teve o jazigo à sua disposição, alegando que uma restituição total seria um enriquecimento sem causa para João, que se beneficiou do uso do jazigo por um tempo.

O cemitério poderá reter parte do valor?
Sim. O cemitério tem o direito de reter uma parte do valor pago, proporcional ao tempo de uso do jazigo por João. Essa medida é justa para evitar o enriquecimento sem causa de ambas as partes. Assim, João receberia de volta parte do que pagou, ajustado ao benefício que efetivamente obteve, enquanto o cemitério pode oferecer novamente o jazigo para venda, evitando prejuízo por ter disponibilizado o espaço sem receber por um uso perpétuo.

A resolução do contrato implica a restituição das partes ao status quo ante.
Nesse sentido, a resolução do contrato implica a restituição das partes ao status quo ante, com a restituição recíproca de todos os valores necessários para que as partes retornem ao estado anterior à avença, indenizando-se o que não puder ser restituído, além de perdas e danos. Assim, o recorrente (mantenedor do Cemitério) deve receber de volta a titularidade do direito real de uso perpétuo do jazigo, que poderá, novamente, ser transferido de forma onerosa a outrem (até mesmo por valor igual ou superior ao que foi pago pelo recorrido).

No contrato em exame, o objeto é a transferência da titularidade do direito real de uso perpétuo do jazigo, de modo que o valor pago não foi correspondente a apenas um período determinado de uso, mas sim pelo uso perpétuo, o que, como visto, não se consumou. Sendo assim, se a titularidade do direito real retornará ao mantenedor do Cemitério, este deve restituir o respectivo valor pago sob pena, inclusive, de enriquecimento sem causa.

O cemitério poderá, entretanto, reter parte dos valores pagos.
Ressalte-se, contudo, que não se pode admitir que a parte use o jazigo pelo período que bem entender e obtenha a resolução do contrato com a restituição integral do valor pago, sob pena de também caracterizar enriquecimento sem causa, pelo tempo de uso gratuito do jazigo. Assim, diante da natureza desse contrato e considerando que o valor pago foi pelo uso perpétuo, a melhor forma de indenizar pelo período efetivamente usado é autorizar ao Cemitério a retenção de parte do valor pago, proporcionalmente ao tempo utilizado, a ser analisada em cada hipótese.
STJ. REsp 2.107.107-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/4/2024, DJe 19/4/2024 (info 808).

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