Ato de improbidade do art. 11, I da LIA.
A Lei nº 14.230, de 2021, que reformulou a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), trouxe significativas alterações. Um exemplo é a revogação do inciso I do art. 11, que anteriormente tipificava como ato de improbidade administrativa a prática de atos visando fins proibidos por lei ou regulamento, ou diferentes daqueles previstos na regra de competência. A revogação reflete o esforço legislativo de restringir os atos de improbidade àqueles cometidos com dolo qualificado e que tragam lesão efetiva aos cofres públicos ou ao interesse coletivo, buscando proteger agentes públicos de interpretações excessivamente abrangentes.
Tema 1.199/STF.
O STF decidiu que a nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.
#Tese de Repercussão Geral – Tema nº 1.199/STF: (…) 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.
Nos termos da jurisprudência do STJ, o entendimento firmado no Tema 1.199/STF aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado (STJ. AgInt no AREsp 2.380.545-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024 (info 800)).
Ademais, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no mesmo sentido do que tem feito o Supremo Tribunal Federal, estendendo a ratio decidendi do Tema 1.199/STF às demais hipóteses em que as alterações advindas da Lei 14.230/2021 resultam na atipicidade da conduta, ou seja, a revogação da tipificação aberta presente no caput do art. 11 e a revogação dos incisos I e II do mesmo dispositivo, sem a tipificação de uma das novas hipóteses constantes nos seus incisos.
Controvérsia.
No caso, discute-se se a conduta de utilizar aparelho de telefonia celular fornecido por Câmara Municipal para fins particulares e eleitorais consubstancia improbidade administrativa após a entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021, uma vez que, apesar de tal conduta não estar prevista nos atuais incisos do art. 11 da LIA, ainda encontra-se prevista no art. 73, inciso I e § 7º, da Lei n. 9.504/1997 (Lei Eleitoral).
Lei nº 9.504/1997 – Lei das Eleições
Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I. ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
II. usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram
(…)
§ 7º As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.
O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa e, assim, de resguardo do patrimônio público – considerados os bens públicos materiais e imateriais -, compreende a Constituição Federal, a estabelecer no art. 37, § 4º, o dever de punição dos atos de improbidade, e, diante deste comando de responsabilização, os vários diplomas infraconstitucionais a proteger os valores e bens públicos, centralizados pela Lei 8.429/1992 (LIA), tipificando, todos eles, condutas ímprobas a serem sancionadas nos termos da LIA, e constituindo um sistema anticorrupção, no âmbito cível.
Essas condutas em específico foram imputadas ao demandado e consubstanciam improbidade administrativa. Assim, junto com as demais condutas previstas nos incisos do art. 73 da Lei 9.504/1997, por determinação do seu §7º, elas “caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.”
A revogação do inciso I do art. 11 da LIA ou mesmo a atual taxatividade extraída do caput desse dispositivo – advindas da Lei n. 14.230/2021 – em nada alteram a tipicidade das condutas.
Nesse contexto, a revogação do inciso I do art. 11 da LIA ou mesmo a atual taxatividade extraída do caput desse dispositivo – advindas da Lei n. 14.230/2021 – em nada alteram a tipicidade das condutas aqui consideradas, uma vez que a Lei n. 8.429/1992, em mais de uma oportunidade, previu que o sistema de repressão à corrupção não se esgota nos tipos nela previstos, estabelecendo já no seu art. 1°, §1°, considerarem-se “atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais”.
Consoante o §2º do art. 11 da LIA, do mesmo modo, o legislador fez questão de reforçar que o disposto no §1º daquele artigo se aplica “a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. O referido §1º exorta ao aplicador da lei que “somente haverá improbidade administrativa quando for comprovado o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”.
Motivo da revogação do art. 11, I e II, da LIA.
A restrição do caput do art. 11 às hipóteses de improbidade previstas nos seus incisos e a revogação dos incisos I e II pela Lei n. 14.230/2021 deram-se por força de sua exacerbada amplidão. Pretendeu o legislador de 2021 reduzir o vasto âmbito de aplicação das improbidades por violação aos princípios administrativos, o qual teria resultado em alguns excessos ao longo do tempo por parte de acusadores e julgadores, imputando-se agir ímprobo e condenando-se réus por meras irregularidades, muitas vezes sem qualquer indício de má-fé ou desonestidade.
Todavia, com a previsão da ressalva da tipificação de atos ímprobos em leis esparsas no §1º do art. 1º da LIA, a um só tempo se respeitou o comando de taxatividade, pois ímprobas serão apenas as condutas previstas expressamente na lei de improbidade e em leis especiais a que se atribua essa qualidade, mas permitiu-se, também, que o sistema de repressão à corrupção não se exaura nas hipóteses previstas no art. 11 da LIA, punindo-se condutas categorizadas como ímprobas em outros éditos legislativos.
Logo, ainda que o §7º do art. 73 da Lei 9.504/1997 faça expressa remissão ao revogado inciso I do art. 11 da LIA, as condutas descritas no caput do art. 73, como ele próprio afirma, configuram improbidade administrativa. Elas apenas não mais exemplificam o que antes genericamente estava previsto no inciso I do art. 11 da LIA (visar fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência), senão taxativamente concretizam hipóteses de improbidade violadora dos princípios administrativos, tonalizadas pelo enfraquecimento da igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais.
A revogação do inciso I do art. 11, da LIA não implica a revogação das condutas taxativamente previstas no caput do art. 73, da Lei Eleitoral.
Ressalte-se que, acaso o legislador de 2021 tivesse a intenção de limitar as hipóteses de improbidade violadoras dos princípios administrativos àquelas condutas previstas no art. 11 da LIA, excluindo outras presentes no ordenamento jurídico brasileiro em leis esparsas, teria expressamente revogado na Lei n. 14.230/2021 cada uma das normas previstas de modo extravagante que tipificassem atos de improbidade administrativa violadores dos princípios administrativos ou mesmo não teria feito menção a tais hipóteses nos artigos 1º, § 1º e 11, § 2º, da LIA.
Destarte, a revogação da norma generalizante por força de sua exacerbada amplidão (o inciso I do art. 11, da LIA) não implica a revogação das condutas taxativamente previstas no caput do art. 73, da Lei Eleitoral, pois a regra que as eleva à condição de ato de improbidade administrativa, o art. 73, § 7º, do mesmo diploma, permanece vigente, permanecendo típica, portanto, a conduta imputada ao demandado, diante da incidência do princípio da continuidade típico-normativa.
STJ. AgInt no AgInt no AREsp 1.479.463-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 3/12/2024, DJe 9/12/2024 (info 837).