Caso Robinho.
Robinho, um famoso jogador de futebol brasileiro, foi acusado de estar envolvido em um caso de estupro coletivo na Itália. O incidente ocorreu em janeiro de 2013, em uma boate em Milão, quando Robinho ainda jogava pelo AC Milan.

A acusação é de que Robinho e outros cinco homens abusaram sexualmente de uma mulher albanesa de 22 anos, que estava aparentemente embriagada a ponto de não conseguir resistir. Em 2017, Robinho foi condenado em primeira instância pela justiça italiana a nove anos de prisão por este crime. O processo judicial foi marcado pela análise de conversas interceptadas com autorização judicial, nas quais Robinho e seus amigos comentavam sobre o incidente de forma que foi interpretada como incriminatória.

O jogador apelou da decisão inicial, mas, em dezembro de 2020, a corte de apelação de Milão manteve a condenação. Em janeiro de 2021, foi noticiado que a Suprema Corte da Itália também confirmou a condenação de Robinho, tornando-a definitiva na Itália.

O caso ganhou uma camada extra de complexidade devido ao fato de que, mesmo condenado, Robinho não seria automaticamente preso devido às leis de extradição entre Brasil e Itália; o Brasil não extradita seus próprios cidadãos, e qualquer cumprimento da sentença dependeria de um processo judicial brasileiro para ser reconhecido e executado no Brasil.

Pedido realizado pela Itália.
O Governo da Itália apresentou pedido de transferência de execução da pena imposta a brasileiro nato condenado a nove anos de prisão por estupro contra uma mulher albanesa, na Itália, em 2013.

Com o pedido de transferência da execução, Robinho poderá cumprir no Brasil a pena que lhe foi imposta na Itália.

Não é possível a rediscussão do mérito da ação penal que tramitou na Itália.
Inicialmente, pontua-se que o sistema de contenciosidade limitada adotado pelo Brasil em matéria de homologação de sentença penal estrangeira impede a rediscussão do mérito da ação penal que resultou na condenação do cidadão brasileiro.

Transferência da execução penal.
A transferência de execução penal é instituto processual de cooperação internacional, previsto em tratados internacionais dos quais o Brasil é parte e está positivado na Lei n. 13.445/2017. Cuida de hipótese voltada à aplicação de pena privativa de liberdade, após seu regular reconhecimento pelo STJ, que for imposta no exterior a nacionais ou a estrangeiros que aqui tenham residência habitual.

Lei nº 13.445/2017 – Lei de Migração.
Art. 100. Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem .
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) , a transferência de execução da pena será possível quando preenchidos os seguintes requisitos:
I. o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil;
II. a sentença tiver transitado em julgado;
III. a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;
IV. o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e
V. houver tratado ou promessa de reciprocidade.

A vedação da extradição de brasileiro nato não impede o deferimento do pedido de cooperação internacional. O instituto fortalece a proteção a cidadãos brasileiros ao permitir o cumprimento da pena no país.
A Constituição Federal veda a extradição de brasileiro nato, conforme o art. 5º, LI, o que não impede o deferimento do pedido de cooperação internacional, que trata de instituto diverso. A homologação de sentença estrangeira não consistirá na entrega de nacional brasileiro condenado criminalmente para cumprimento de pena em outro país.

Nesse sentido, o próprio governo brasileiro admitiu o processamento do pedido de transferência de pena, formulado pelo Governo da Itália, pois, por meio de tratados internacionais, a rede de proteção de cidadãos brasileiros foi fortalecida com a possibilidade de cumprimento de pena no seu próprio país, com isso, além da transferência de execução da pena, também se possibilita a própria transferência do preso que cumpre pena fora do território nacional.

Dessa forma, não há inconstitucionalidade na transferência de execução de pena, porque não há violação do núcleo do direito fundamental contido no art. 5º, LI, da CF. Pelo contrário, há um reforço do compromisso internacional do Brasil em adotar instrumentos de cooperação eficientes para assegurar a eficácia da jurisdição criminal.

É descabida a interpretação segundo a qual se aplicaria a transferência das penas apenas nos casos em que é cabível a extradição.
Ademais, descabida a interpretação segundo a qual se aplicaria a transferência apenas nos casos em que cabível a extradição, pois praticamente seria letra morta na legislação. Naturalmente que o país requerente sempre daria preferência à extradição, relegando à inutilidade a previsão de transferência da execução.

De outro lado, esse modelo de solução alternativa está posto em diversos Tratados Internacionais (como as Convenções de Viena, Palermo e Mérida), nos quais há previsão expressa de transferência da execução sempre que a extradição for recusada pelo critério da nacionalidade.

No Brasil, não se admite que um cidadão seja novamente processado e julgado pelos mesmos fatos que resultaram em sua condenação definitiva no exterior.
Destaca-se, ainda, que a negativa em homologar a sentença estrangeira geraria a impossibilidade completa de nova persecução penal, na medida em que não poderá ser novamente processado e julgado pelo mesmo fato que resultou em sua condenação na Itália.

Trata-se do instituto do non bis in idem, também contemplado no art. 100 da Lei n. 13.445/2017, que assim dispõe: “Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem.”.

Sobre o tema, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 171118 de relatoria do ministro Gilmar Mendes, ao interpretar os arts. 5º, 6º e 8º do Código Penal, assentou que a proibição da dupla incriminação também incide no âmbito internacional. Assim, no Brasil, não se admite que um cidadão seja novamente processado e julgado pelos mesmos fatos que resultaram em sua condenação definitiva no exterior.

Não há violação ao princípio constitucional da irretroatividade da nova lei penal mais gravosa.
O suposto fato criminoso aconteceu no ano de 2013 ao passo que a Lei n. 13.445/2017, que previu o instituto da transferência da execução penal, é de 2017.

Ocorre que o argumento de que a aplicação da Lei n. 13.445/2017 violaria o “princípio constitucional da irretroatividade da nova lei penal mais gravosa” não subsiste ante a natureza jurídica da cooperação internacional.

O STF já decidiu que as normas sobre cooperação internacional em matéria penal não têm natureza criminal, o que permite a aplicação imediata conforme art. 6º da LINDB. Com isso, a norma de cooperação internacional pode ser “imediatamente aplicável, seja em benefício, seja em prejuízo do extraditando”.

Com a edição do art. 100 da Lei n. 13.445/2017, não há mais dúvida acerca da possibilidade da transferência da execução da pena, pois houve mitigação do princípio da territorialidade das penas previsto no art. 9º do Código Penal. Como o novo instituto veda a propositura de nova ação penal sobre o mesmo fato no território nacional, assegurou-se maior efetividade da jurisdição criminal. Reconhece-se, assim, o princípio do non bis in idem no plano internacional.

Não é possível declarar a nulidade da ação penal que tramitou na Itália por inobservância de normas brasileiras.
Por fim, não é possível declarar a nulidade da ação penal que tramitou na Itália por inobservância de normas da legislação penal e processual brasileira. Nos tratados internacionais celebrados entre o Brasil e a Itália, não há norma que imponha o dever de o Poder Judiciário italiano aplicar as normas procedimentais brasileiras em processo que apura responsabilidade criminal de brasileiro.

A homologação da sentença internacional não é um fim em si mesmo, mas um instrumento efetivação dos direitos fundamentais tanto do condenado como da vítima.
Sendo assim, a homologação da transferência de execução da pena ao efetivar a cooperação internacional, tem o condão de, secundariamente, resguardar os direitos humanos das vítimas. A homologação da sentença não é um fim em si mesmo, mas um instrumento efetivação dos direitos fundamentais tanto do condenado como da vítima.
STJ. HDE 7.986-EX, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, por maioria, julgado em 20/3/2024 (info 805).

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