Caso concreto adaptado.
Miate é um estrangeiro que ingressou irregularmente no Brasil utilizando um documento falso. Ele solicita refúgio, alegando medo de perseguição em seu país de origem. Contudo, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) nega seu pedido de refúgio, pois Miate não consegue demonstrar um fundado temor de perseguição que se enquadre nos critérios estabelecidos pela Lei nº 9.474/1997.

Apesar dessa negativa, Miate recebe permissão para residir permanentemente no Brasil, obtendo assim um status legal de residência.

Os crimes que Miate cometeu para entrar no Brasil, especificamente o uso de documento falso e a falsificação de documento público, devem ser punidos?
Não. Ainda que indeferido o pedido de refúgio, a concessão de residência permanente ao estrangeiro equivale a uma anistia legal para os crimes de uso de documento falso e falsificação de documento público, conforme estabelecido no art. 10, parágrafo 1º, da Lei n. 9.474/1997 em relação aos refugiados.

A entrada irregular de estrangeiros no território nacional não impede que eles solicitem refúgio às autoridades competentes.
Conforme estabelecido no art. 8º da Lei nº 9.474/1997, a entrada irregular de estrangeiros no território nacional não impede que eles solicitem refúgio às autoridades competentes.

Lei nº 9.474/1997.
Art. 8º O ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes.

Em outras palavras, salvo raras exceções previstas nos arts. 7º, § 2º, da mesma lei, o fato de ter ingressado de maneira irregular, seja de forma ilegal ou ilícita, não impede que alcancem a qualidade jurídica de refugiado.
Lei nº 9.474/1997.
Art. 7º O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível.
(…)
§ 2º O benefício previsto neste artigo não poderá ser invocado por refugiado considerado perigoso para a segurança do Brasil.

Quando a pessoa qualificada como refugiado comete conduta ilícita com o objetivo de ingressar no território nacional, o procedimento de natureza cível, administrativa ou criminal, deve ser arquivado.
Quando uma pessoa qualificada como “refugiado” comete alguma conduta ilícita com o propósito de ingressar no território nacional e essa conduta está diretamente relacionada a esse intento, o procedimento, seja ele de natureza cível, administrativa ou criminal, deve ser arquivado, com base no § 1º do artigo 10 da referida lei.

Lei nº 9.474/1997.
Art. 10. A solicitação, apresentada nas condições previstas nos artigos anteriores, suspenderá qualquer procedimento administrativo ou criminal pela entrada irregular, instaurado contra o peticionário e pessoas de seu grupo familiar que o acompanhem.
§ 1º Se a condição de refugiado for reconhecida, o procedimento será arquivado, desde que demonstrado que a infração correspondente foi determinada pelos mesmos fatos que justificaram o dito reconhecimento.

Caso concreto.
No caso, embora o pedido de reconhecimento da condição de refugiado tenha sido indeferido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) devido à falta de demonstração de um fundado temor de perseguição compatível com os critérios de elegibilidade previstos no art. 10 da Lei n. 9.474/1997, é importante destacar que o estrangeiro encontra-se classificado como residente no território nacional e recebeu um visto ou a permissão permanente, o que denota a condição de residência legal no Brasil.

Ausência de justa causa para a ação penal.
O art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal prescreve a rejeição da denúncia quando inexistir justa causa para o início do processo penal, isto é, quando não houver fundamentos sólidos para a persecução penal. Essa medida, na situação em análise, é necessária, pois configura uma aplicação pertinente do princípio da intervenção mínima e reforça a relevância do caráter fragmentário do direito penal, já que a própria administração pública reconheceu o direito de residência permanente no território nacional.

Nesse contexto, também, é apropriado evocar a analogia in bonam partem, uma vez que a interpretação nos conduz à conclusão de que a concessão de residência permanente ao estrangeiro equivale a uma anistia legal para os crimes de uso de documento falso e falsificação de documento público, conforme estabelecido no art. 10, parágrafo 1º, da Lei n. 9.474/1997 em relação aos refugiados. Logo, tal situação resulta na inexistência de justa causa para a ação penal, considerando a correlação entre o uso de passaporte falso e sua entrada irregular no Brasil.
STJ. AREsp 2.346.755-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/11/2023, DJe 13/11/2023 (info 795).

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