Controvérsia.
A controvérsia refere-se à prescrição de ação indenizatória movida por segurada contra seguradora em razão de suposto descumprimento de cláusula de contratos individuais de seguro de vida dotal com cláusula de sobrevida.
Cobertura por sobrevivência no seguro de vida.
O seguro de vida é um tipo de seguro de pessoas com cobertura de riscos cujo objetivo é garantir indenização a segurado ou a seus beneficiários nos termos das condições e garantias contratualmente estabelecidas.
A cobertura por sobrevivência oferecida em seguros de vida é estruturada sob regime financeiro de capitalização e tem por finalidade o pagamento do capital segurado, de uma única vez ou em forma de renda, após atingido o período de diferimento previsto no contrato.
Seguro de vida dotal.
O plano dotal, que pode ser puro, misto ou misto com performance, constitui um dos tipos de contrato de seguro de vida por sobrevivência. Portanto, vejamos:
Seguro dotal puro: O seguro dotal puro disponibiliza a indenização apenas se o titular sobreviver. Ou seja, se o segurado morrer no período do contrato, não receberá o valor.
Seguro dotal misto: O seguro de vida dotal misto traz a atuação de duas categorias diferentes, permitindo o recebimento tanto no falecimento, quanto na sobrevivência.
Seguro dotal misto com performance: Ao contrário da modalidade convencional, esse permite que o titular receba os juros sobre o valor, como define a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).
Natureza complexa do seguro dotal misto / seguro de vida com cláusula de sobrevivência.
O contrato de seguro individual de vida com cláusula de sobrevivência tem natureza complexa, visto que o capital de segurado pode ser pago aos beneficiários quando do falecimento do segurado, ao qual é permitido optar por resgatar, em vida, o valor econômico capitalizado após transcorrido o período de diferimento.
Caso concreto adaptado.
Maria contratou um seguro de vida dotal com cláusula de sobrevivência, onde ficou estipulado que se ela sobrevivesse até os 65 anos, teria direito ao resgate de um capital acumulado.
Ao completar 70 anos, Maria solicitou o resgate, mas a seguradora recusou o pagamento, alegando que o pedido estava prescrito.
O pedido estava prescrito?
Não. Aplica-se o prazo de prescrição decenal à ação que visa ao reconhecimento do direito ao resgate, após o prazo assinado em contrato, de capital segurado de seguro de vida com cláusula de sobrevivência.
Prazo prescricional da ação do segurando em face do segurador.
É certo que, nos termos da tese firmada no Incidente de Assunção de Competência n. 2, no julgamento do REsp n. 1.303.374/ES, “é ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador- e vice-versa- baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, ‘b’, do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)”.
No caso, entretanto, há valor capitalizado passível de ser resgatado em vida.
No caso, todavia, o pagamento do capital segurado não se dá apenas pelo falecimento do segurado, porquanto, em razão da cláusula de sobrevida, há importância de valor econômico capitalizado passível de ser resgatado em vida, o que evidencia, nessa parte, a natureza pessoal do contrato, a atrair a incidência do art. 177, IV, do Código Civil de 1916, ou seja, o prazo decenal, como previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, respeitado o art. 2.028 do mesmo diploma.
Aplica-se o prazo decenal, e não a prescrição ânua do art. 206, II, do Código Civil, à ação que visa ao reconhecimento do direito ao resgate, após o prazo assinado em contrato, de capital segurado de seguro de vida com cláusula de sobrevivência.
STJ. REsp 1.678.432-RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024 (info 809).