Conceitos Necessários.
Alienação Fiduciária: A alienação fiduciária é um contrato pelo qual o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel de um bem como garantia de uma dívida. Está regulamentada pela Lei nº 9.514/1997. No caso de inadimplemento, o credor pode executar a garantia através de um procedimento extrajudicial.
Execução Extrajudicial: A execução extrajudicial é um procedimento onde o credor realiza a venda do bem dado em garantia sem a necessidade de intervenção judicial direta, seguindo um rito estabelecido pela legislação específica, como a Lei nº 9.514/1997 para imóveis.
Preço Vil: Preço vil é o valor extremamente baixo oferecido em um leilão, que não representa o valor justo do bem, prejudicando o devedor. O art. 891 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 define que, em segundo leilão, o lance não pode ser inferior a 50% do valor de avaliação do bem.
Exemplo Didático.
João, devedor, fez um empréstimo de R$ 200.000,00 com um banco e deu seu imóvel como garantia através de alienação fiduciária. O imóvel foi avaliado em R$ 300.000,00. João não conseguiu pagar a dívida, e o banco iniciou o procedimento de execução extrajudicial.
No primeiro leilão, não houve interessados. No segundo leilão, uma pessoa fez um lance de R$ 120.000,00 (40% do valor de avaliação). A dívida de João, com juros e despesas, somava R$ 220.000,00.
Esse lance pode ser aceito pelo banco para quitar a dívida?
Não, o lance de R$ 120.000,00 não pode ser aceito, pois é inferior a 50% do valor de avaliação do imóvel. Conforme decidido pelo STJ e estabelecido na Lei nº 14.711/2023, o lance mínimo no segundo leilão deve ser de 50% do valor de avaliação do bem, para evitar a alienação a preço vil.
Alienação extrajudicial de imóvel dado em alienação fiduciária.
A execução extrajudicial de imóvel dado em alienação fiduciária tem regramento próprio estabelecido na Lei n. 9.514/1997, que, antes das modificações perpetradas pela Lei n. 14.711/2023, previa que o contrato que serve de título ao negócio fiduciário deveria conter o valor do principal da dívida e a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão (art. 24, I e VI).
Lei nº 9.514/1997 – Alienação fiduciária de bens imóveis.
Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:
I. o valor da dívida, sua estimação ou seu valor máximo;
(…)
VI. a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;
Impossibilidade de alienação por preço vil.
A partir da vigência da Lei n. 14.711/2023, não há mais dúvidas de que, em segundo leilão, não pode ser aceito lance inferior à metade do valor de avaliação do bem, ainda que superior ao valor da dívida (acrescido das demais despesas), à semelhança da disposição contida no art. 891 do CPC/2015.
Código de Processo Civil.
Art. 891. Não será aceito lance que ofereça preço vil.
Parágrafo único: Considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.
No caso, o leilão foi realizado antes da vigência da Lei n. 14.711/2023, o que não altera, contudo, a compreensão acerca da matéria. Com efeito, no âmbito doutrinário, há muito já se defendia a impossibilidade de alienação extrajudicial a preço vil, não só por invocação do art. 891 do CPC/2015, mas também de outras normas, tanto de direito processual quanto material, que
i) desautorizam o exercício abusivo de um direito (art. 187 do Código Civil);
ii) condenam o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil);
iii) determinam a mitigação dos prejuízos do devedor (art. 422 do Código Civil) e
iv) prelecionam que a execução deve ocorrer da forma menos gravosa para o executado (art. 805 do CPC/2015).
Por fim, em que pese a prevalência do caráter negocial da alienação por iniciativa particular, também à ela se aplica a vedação da alienação a preço vil, entendida, em regra, como sendo aquela que não alcança 50% do valor da avaliação, ressalvadas as situações em que se deve levar em conta as particularidades do caso concreto.
STJ. REsp 2.096.465-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 16/5/2024 (info 812).