Exemplo didático.
A prefeitura de um município X decidiu expandir a zona urbana da cidade, incluindo uma área que antes era considerada rural. Essa área, agora urbana, passou a contar com diversos melhoramentos públicos, como redes de água, esgoto, iluminação pública e uma escola primária próxima. Com essa mudança, a prefeitura começa a cobrar o IPTU dos proprietários de imóveis nessa nova zona urbana.
Um dos proprietários, Sr. João, que possui um terreno nessa área, argumenta que a cobrança de IPTU é indevida porque a mudança de uso do solo rural para urbano não teve a prévia audiência do Incra, conforme exigido pelo artigo 53 da Lei n. 6.766/1979.
Lei nº 6.766/1979 – Parcelamento do solo urbano.
Art. 53. Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente.
Sr. João deve pagar o IPTU sobre o seu terreno, mesmo que a mudança de uso do solo rural para urbano não tenha tido a prévia audiência do Incra?
Sim. As providências elencadas no art. 53 da Lei nº 6.766/1979 para que possa ser alterado o uso de solo rural para fins urbanos, dentre elas a necessidade de prévia audiência do Incra, não configuram condição à caracterização do fato gerador e à cobrança de IPTU sobre imóvel que, por lei local, passou a integrar a zona urbana da municipalidade e que preenche os requisitos do art. 32 do CTN.
Requisitos do art. 32 do CTN.
O art. 32 do CTN define que o IPTU é devido sobre imóveis localizados em áreas urbanas, conforme estabelecido por lei municipal, desde que existam pelo menos dois dos melhoramentos públicos:
Código Tributário Nacional.
Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
§1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I. meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II. abastecimento de água;
III. sistema de esgotos sanitários;
IV. rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V. escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia em definir se o art. 53 da Lei n. 6.766/1979 estabelece a obrigação do município de previamente comunicar ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra acerca da alteração de destinação de área rural para urbana, como condição para que a propriedade deixe de sofrer a incidência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR e passe a sofrer a incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, a fim de se evitar a bitributação.
O art. 53 da Lei nº 6.766/1979 prescreve uma obrigação ao loteador e não ao ente público.
A Lei n. 6.766/1979, por sua vez, é a lei federal ordinária, recepcionada pela CF, que disciplina as normas gerais sobre a política urbana referente ao parcelamento do solo, dispondo no mencionado art. 53 que: “todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente”.
Não há na redação do texto legal, portanto, passagem que possa sugerir eventual subordinação entre os entes públicos, notadamente em relação à existência de condicionante para fins de tributação municipal. As condições estabelecidas no supracitado dispositivo dizem respeito à realização de alterações no uso do solo rural para fins urbanos, ou seja, são dirigidas à pessoa do loteador, que somente poderá efetivar essa modificação de utilização da área depois de consultar (“prévia audiência”) o Incra e o órgão municipal pertinente e de obter a aprovação do projeto pela prefeitura ou do Distrito Federal.
Essa disposição legal atribui apenas à municipalidade a atribuição de aprovar ou desaprovar essa modificação de uso para fins de loteamento, o que guarda sintonia com o art. 12 dessa mesma lei, que assim dispõe:
Lei nº 6.766/1979 – Parcelamento do solo urbano.
Art. 12. O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, a quem compete também a fixação das diretrizes a que aludem os arts. 6º e 7º desta Lei, salvo a exceção prevista no artigo seguinte”. Ressalte-se ainda que essa consulta ao Incra está prevista antes da aprovação do projeto pela municipalidade e, por conseguinte, da lei municipal que integrará essa área na zona urbana da cidade.
Constata-se, assim, que as providências elencadas no art. 53 da Lei n. 6.766/1979 dizem respeito às condições para se garantir, no máximo, a regularidade do processo de parcelamento/loteamento de área então rural, e não aos requisitos para a cobrança do IPTU sobre imóvel que, por lei local, passou a ser considerado como urbano, ou seja, o supracitado comando normativo trata de regra procedimental para fins de parcelamento do solo urbano, não implicando regra de natureza tributária.
Art. 182 da Constituição Federal.
O art. 182 da Constituição Federal (CF) preconiza que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Não ocorreu bitributação.
Ademais, eventual circunstância condicionante à configuração do fato gerador do tributo em questão (IPTU) somente poderia ser validamente instituída por lei complementar (art. 146, III, “a”, da CF), o que não é o caso da Lei n. 6.766/1979; bem como não se vislumbra a ocorrência de bitributação, porquanto tal fenômeno ocorre quando dois entes federados exigem o pagamento de tributo por um mesmo fato gerador, o que não ocorre na espécie.
Dessa forma, ressalvada a subsistência da destinação rural do imóvel (Tema 174 do STJ), estando preenchidas as condições elencadas no art. 32 do CTN, é de se considerar válidos o lançamento e a cobrança do IPTU sobre os imóveis que a lei municipal passou a definir como pertencentes à zona urbana da cidade.
#Tese Repetitiva – Tema 174-STJ: Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966).
STJ. REsp 2.105.387-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024 (info 812).