Exemplo Didático.
Ana, uma adolescente de 13 anos, foi vítima de estupro de vulnerável. O caso foi investigado e chegou ao conhecimento de um site de notícias local, que publicou a seguinte manchete: “Adolescente se envolve em caso de estupro de vulnerável ao aceitar entrar no carro do agressor”.

A notícia, apesar de não citar o nome de Ana, forneceu detalhes que permitiram a identificação por ela mesma e por por pessoas próximas.

A matéria trazia um tom sensacionalista e continha afirmações como:
“A jovem teria aceitado entrar no carro do agressor e acompanhado ele até uma casa vazia, onde tudo aconteceu.”
“Fontes afirmam que a garota não se opôs aos avanços do homem.”
“Fontes afirmam que a garota frequentemente trocava mensagens com o homem.”

Posteriormente, o site se retratou da notícia.

O site de notícias cometeu ato ilícito ao publicar a matéria?
Sim. Comete ato ilícito, por abuso de direito, o órgão de imprensa que, apesar de divulgar fato verídico e sem a indicação de dados objetivos quanto aos partícipes do fato, relaciona a notícia à manchete de caráter manifestamente ofensivo à honra da vítima de crime de estupro de vulnerável, atribuindo à adolescente conduta ativa ante o fato ocorrido, trazendo menções injuriosas a sua honra.

Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia em definir se constitui ato ilícito, atribuível a órgão de imprensa, a publicação, em site de notícias, de matéria jornalística que traz em seu bojo relato de um crime de estupro de vulnerável, sem a indicação de dados objetivos quantos aos partícipes do fato, mas que atrela a narrativa do ocorrido a uma manchete de cunho sensacionalista, capaz de colocar em dúvida a conduta moral da vítima por ocasião dos fatos noticiados.

Limites a liberdade de expressão.
Esta Corte Superior tem reiteradamente assentado que:
A liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam:
(I) o compromisso ético com a informação verossímil;
(II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e
(III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi).
STJ. REsp n. 801.109/DF, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2012, DJe de 12/3/2013.

Comete ato ilícito, por abuso de direito, o órgão de imprensa que, apesar de divulgar fato verídico, relaciona a notícia à manchete de caráter manifestamente ofensivo à honra da vítima de crime de estupro de vulnerável, atribuindo à adolescente conduta ativa ante o fato ocorrido, trazendo menções injuriosas a sua honra.

O cuidados necessários devem ser redobrados quando as notícias envolverem crianças ou adolescentes.
Os cuidados a serem dispensados pelos órgãos de imprensa, quando da divulgação de notícias envolvendo menores de idade, devem ser redobrados, face ao dever imposto a toda sociedade de zelar pelos direitos e o bem-estar da pessoa em desenvolvimento (arts. 16 e 17 do ECA).

O fato da notícia não conter elementos objetivos para a identificação da vítima pelo público em geral não afasta o dever de indenizar.
Ainda que a notícia não contenha dados objetivos que possam identificar a vítima ao público em geral, é evidente, contudo, que ela própria e aqueles que circundam seus relacionamentos mais próximos têm conhecimento de que os fatos ofensivos lhe foram atribuídos, ressaindo daí dano psíquico-psicológico decorrente dos termos infamantes contidos na chamada da matéria, sobretudo por se cuidar a ofendida de menor de idade e por ter a manchete denotado a ideia de que a menor fora a responsável pelo episódio.

A posterior retratação não afasta o dever de indenizar.
Nesse sentido, a posterior retratação do órgão de imprensa é irrelevante porquanto já consumado o dano moral à vítima da veiculação da notícia. Assim, a responsabilidade civil deve ser reconhecida, face à junção de todos os seus elementos: ato ilícito cometido por abuso de direito aliado ao nexo de causalidade entre o agir e o dano moral impingido.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/202 (info 810).

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