Exemplo Didático
Imagine que João, após se aposentar de seu trabalho na Caixa Econômica Federal (CEF), percebeu que seu benefício de aposentadoria não incluía o valor que ele recebia como auxílio-alimentação, o qual era pago em dinheiro e considerado parte de sua remuneração. Decidindo buscar seus direitos, João propõe uma ação na Justiça do Trabalho contra a CEF e a FUNCEF (Fundação dos Economiários Federais), requerendo o reconhecimento de que os valores integram o seu salário, com os efeitos patrimoniais e previdenciários daí decorrentes.
De quem é a competência para julgar a ação?
A Justiça do Trabalho é competente para julgar o caso. A decisão se fundamenta no entendimento de que a competência é definida pelo pedido e pela causa de pedir. Como o pedido de João inclui a reimplantação do auxílio-alimentação, que tem natureza salarial e está integrado ao contrato de trabalho, a demanda é primariamente trabalhista. Mesmo que haja um componente previdenciário (a complementação da aposentadoria), este depende do resultado da questão trabalhista, tornando a Justiça do Trabalho competente para julgar o caso.
O Tema 190/STF não se aplica ao caso.
No caso dos autos, foi ajuizada a reclamação trabalhista contra a Caixa Econômica Federal e a Fundação dos Economiários Federais, visando a reimplantação do auxílio-alimentação pago em pecúnia, bem como a complementação da aposentadoria, a fim de que reflita a inclusão da parcela salarial no benefício. Não se discute aqui valor pago por entidade de previdência privada (benefício previdenciário). Portanto, não se aplica à hipótese a decisão do STF no RE n. 586.453/SE (Tema 190/STF).
#Tese de Repercussão Geral – Tema 190: Compete à Justiça comum o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência com o propósito de obter complementação de aposentadoria, mantendo-se na Justiça Federal do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, todas as causas dessa espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até 20/2/2013.
A ação foi ajuizada e distribuída, inicialmente, ao Juízo da Vara do Trabalho, ao argumento de que a causa de pedir é previdenciária, de modo que a solução da controvérsia deve ser julgada no âmbito da Justiça comum. Depois, os autos foram encaminhados ao Juízo de Direito da Vara Cível. Este, ao suscitar o presente conflito, entendeu que a solução da controvérsia trabalhista, com o reconhecimento do direito de receber o auxílio-alimentação, consubstancia-se prejudicial em relação ao exame da demanda previdenciária.
A jurisprudência desta Corte pacificou orientação no sentido de que a competência para processamento e julgamento é definida em razão do pedido e da causa de pedir e, no caso concreto, a causa de pedir envolve relação tanto trabalhista quanto previdenciária, uma vez que a reclamação trabalhista foi ajuizada visando a reimplantação do auxílio-alimentação, ante a natureza salarial da verba, estando, portanto, integrada ao contrato de trabalho. Vejamos:
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.166-STF: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada.
No caso, a demanda primária é trabalhista. A demanda previdenciária é mera consequência.
Assim, embora o reclamante também pretenda a complementação da aposentadoria, em demanda autônoma, previdenciária, direcionada contra a FUNCEF, fica evidenciado que a demanda trabalhista é primária e de seu resultado depende, inclusive, a questão previdenciária. Desse modo, é competente a Justiça laboral para, dentro dos seus limites de jurisdição e dos limites impostos pela própria parte autora, apreciar e julgar a controvérsia.
STJ. AgInt no CC 185.622-RN, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/3/2024 (info 804).
Em igual sentido:
Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada.
STJ. EDcl no AgInt no AREsp 1.547.767-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022 (info 733).
Não compete à Justiça comum processar e julgar causas ajuizadas contra o patrocinador para recomposição de reserva matemática, em cumulação sucessiva ao pedido de revisão do benefício pela entidade fechada de previdência privada complementar, em consequência da integração, ao salário de participação, de verbas reconhecidas pela Justiça do Trabalho.
STJ. EAREsp 1.975.132-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 12/4/2023, DJe 20/4/2023 (info 773).