O conflito de competência decorre da divergência instaurada entre Juízo Federal e Juízo de Direito.
O Juízo Federal entendeu que somente seriam os homicídios julgados pela Justiça Federal se houvesse interesse federal específico quanto a eles, o qual entendeu inexistir no caso concreto, não sendo suficiente a sua conexão com o delito de contrabando. Para o segundo, a conexão com o crime federal (contrabando), bastava para fixar a competência da Justiça Federal e, por consequência, do Tribunal do Júri Federal.

Havia conexão instrumental entre o crime de contrabando e o de homicídio qualificado.
A existência da conexão instrumental entre os crimes de contrabando e os de homicídio qualificado, consumado e tentado que foram imputados na denúncia era incontroversa entre os Juízos suscitante e suscitado, tendo sido os crimes dolosos contra a vida praticados no mesmo contexto fático, para assegurar a vantagem ou a impunidade do crime de contrabando.

Se o intento da prática dos homicídios era o de impedir o exercício do jus puniendi em relação ao crime de contrabando, ou seja, visavam embaraçar a persecutio in criminis que seria realizada na Justiça Federal, há o interesse federal na persecução, também, dos crimes dolosos contra a vida, pois cometidos para obstar ou dificultar o exercício de atribuições conferidas a órgãos federais.

A competência para julgar ambos os crimes será da Justiça Federal.
Além disso, a simples conexão ou continência com crime federal atrai a competência da Justiça Federal para o julgamento de todos os delitos, nos termos da Súmula 122/STJ, na qual não faz nenhuma exceção quando se trata de delito doloso contra a vida.

Súmula 122-STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal.

Tribunal do Júri na Justiça Federal.
O raciocínio que faz prevalecer a competência do Júri estadual sobre a competência da Justiça Federal parte de uma premissa equivocada, que é a de que a previsão constitucional da competência do Tribunal do Júri se refere apenas ao Júri estadual e, portanto, se sobreporia à competência da Justiça Federal.

No entanto, o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da Constituição Federal, assegura a competência do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sem fazer distinção alguma entre o Tribunal do Júri Estadual e o Tribunal do Júri Federal. Este último é expressamente previsto no art. 4º do Decreto-Lei n. 253/1967, recepcionado pela Constituição Federal.

Decreto-Lei nº 253/1967.
Art. 4º Nos crimes de competência da Justiça Federal, que devem ser julgados pelo Tribunal do Júri, observar-se-á o disposto na legislação processual, cabendo a sua presidência ao juiz a que competir o processamento da respectiva ação penal.
Parágrafo único. Nas Seções Judiciárias, onde houver mais de uma Vara, competentes em matéria criminal, a lista dos jurados será organizada, anualmente por um dos Juízes, mediante rodízio observada sua ordem numérica.

Não é possível determinar o julgamento do contrabando, crime federal, pelo Tribunal do Júri Estadual.
A competência da Justiça Federal é absoluta e tem previsão constitucional, assim como a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida. Ainda que se entendesse que deveria o Tribunal do Júri Estadual julgar os homicídios, deveria haver o desmembramento dos autos, permanecendo, na Justiça Federal, o delito de contrabando, mas não se admite a remessa deste último para ser julgado pela Justiça estadual, ainda que pelo Tribunal do Júri nela instalado.

Overruling da orientação firmada no CC n. 153.506/RS.
No caso do CC n. 153.506/RS, entendeu que não restava configurada a competência do Tribunal do Júri federal, uma vez que as vítimas da tentativa de homicídio eram policiais militares estaduais no exercício de suas funções, e que a motivação do delito (evitar a prisão em flagrante pela prática de crime da competência federal – contrabando) é irrelevante para a definição da competência.

Na decisão, entendeu-se que os demais delitos (contrabando, de competência da Justiça Federal, resistência e dano, de competência da Justiça Estadual), ao que se tem, foram praticados no mesmo contexto fático, quando os denunciados foram abordados transportando cigarro, resistiram à ordem policial, efetuaram disparos de arma de fogo contra os policiais estaduais e danificaram as viaturas. Assim, entendeu-se presente a conexão nos termos do disposto no art. 78, inciso I, do Código de Processo Penal.

Portanto, na oportunidade, o conflito de competência foi conhecido para declarar a competência da Justiça Estadual, no caso, do Tribunal do Júri Estadual de Passo Fundo, Rio Grande do Sul. (STJ – CC: 153306 RS 2017/0170297-8, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 22/11/2017, S3 – TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 29/11/2017)

Tal posição, portanto, está superada.
STJ. CC 194.981-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 24/5/2023 (info 778).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: