Caso concreto adaptado.
A empresa Legislação Integrada atua no mercado educacional, oferendo materiais de estudo de lei seca e jurisprudência focados em concursos públicos. Diante da reconhecida qualidade do material, o melhor do universo (e elaborado pelo professor mais lindo do Brasil), a marca é amplamente reconhecida em seu nicho de mercado.
Sabendo disso, a empresa concorrente, vulgo “Lei Seca Desintegrada” teve uma brilhante ideia: resolveu patrocinar anúncios no Google utilizando o termo “Legislação Integrada” como palavra-chave. Como efeito disso, sempre que alguém digita “Legislação Integrada” no Google, o primeiro resultado que aparece é o site da empresa “Lei Seca Desintegrada”.
A conduta da empresa “Lei Seca Desintegrada” é antijurídica?
Não só antijurídica como também configura crime de concorrência desleal. (E sim, concorrente, nós sabemos que você faz isso. Por gentileza, pare. )
Utilização do nome de empresa concorrente como palavra-chave em anúncio patrocinado em site de buscas.
A controvérsia consiste em definir se configura ou não concorrência desleal a conduta de um anunciante na internet de utilizar a marca registrada de um concorrente como palavra-chave em link patrocinado para obter posição privilegiada em resultados de buscas, direcionando os usuários daqueles produtos e serviços para o seu próprio sítio eletrônico.
Sendo a livre iniciativa e a livre concorrência fundamentos de nosso ordenamento, a efetivação do objetivo que subsidiam impõe, por certo, a disciplina de um regramento mínimo. Nesse rumo, a normatização favorece disputas leais de mercado, ao mesmo tempo em que censura práticas ilegítimas de obtenção de vantagem, estrutural ao direito concorrencial.
É desleal a concorrência sempre que se verificar a utilização de esforços que se distanciam da ética e perseguem o desvio de clientela e empobrecimento do concorrente.
Em recurso julgado pelo rito dos repetitivos (REsp 1.527.232/SP), ficou acentuado que, baseado na definição de concorrência desleal apresentada na Convenção da União de Paris (alínea 2 do seu artigo 10 bis), observa-se que a noção de concorrência pode variar de um país para outro, já que o entendimento sobre o que seja “uso honesto”, em matéria industrial e comercial, é variável e estabelece-se conforme o espaço e tempo que ocupa, moldando-se em práticas moralmente aceitas e sobre valores, realidade social e conjunto de princípios do regime jurídico a que será aplicável.
Crime de concorrência desleal.
A Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/1996), especialmente em seu art. 195, tipifica como crime de concorrência desleal nas hipóteses em que se:
Lei n. 9.279/1996
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
III. Emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
IV. Usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;
V. Usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências.
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
As empresas virtuais empreendem esforços para serem bem posicionadas em sites de buscas.
Com efeito, as empresas que atuam no e-commerce preocupam-se com o formato e funcionalidade de seus endereços virtuais e, cada vez mais, empregam esforços para que seus sites apareçam em posição de destaque nos resultados das buscas na Internet. Agem desta maneira visando atrair o maior número possível de visitantes, potenciais clientes.
Por certo, o principal instrumento utilizado pelo comércio eletrônico é oferecido pelos provedores de pesquisa, sites que rastreiam, indexam e armazenam as mais variadas informações disponíveis online, organizando-as e classificando-as para que, uma vez consultados, possam fornecê-las através de sugestões (ou resultados) que atendam aos critérios de busca informados pelos próprios usuários, um serviço pago de publicidade para alterar o referenciamento de um domínio, com base na utilização de certas palavras-chave. Dizendo de outro modo, o provedor coloca à venda palavras-chave, que quando utilizadas pelo usuário, acarretarão o aparecimento, com destaque e precedência, do conteúdo pretendido pelo anunciante.
A esse mecanismo oferecido pelos provedores de busca para dar publicidade aos produtos e serviços dá-se o nome de links patrocinados (keyword advertising). Assim, terão prevalência no rol de resultados de determinada busca, o anúncio, empresa ou marca daquele anunciante que se dispôs a pagar o maior valor pela posição destacada da palavra-chave.
Utilização de marcas concorrentes como palavra-chave.
Além da flagrante utilização indevida de nome empresarial e marca alheia, a utilização de links patrocinados, na forma como engendrada pela ora recorrente, é conduta reprimida pelo art. 195, III e V, da Lei da Propriedade Industrial e pelo artigo 10 bis, da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em toda a abrangência do território nacional, conforme dispõe o art. 129 da Lei n. 9.279/1996, sendo certo que “abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular”, também nos termos do art. 131 da mesma lei.
Nesse rumo de ideias, é certo que o estímulo à livre iniciativa, dentro ou fora da rede mundial de computadores, deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado. STJ. REsp 1.937.989-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022 (info 747).