Controvérsia.
O julgamento refere-se à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.059/PA, na qual o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a constitucionalidade da Lei nº 7.103/2008 do Estado do Pará, que instituiu o serviço voluntário para a guarda de imóveis públicos e de quartéis da Polícia Militar, por parte de soldados temporários.
Questão Central da ADI.
A principal controvérsia analisada pelo STF foi se essa legislação estadual usurpava a competência legislativa da União (art. 22, XXI, da CF/88) e se atribuía aos soldados temporários funções típicas das Polícias Militares, o que poderia ferir o regime constitucional de segurança pública.
A decisão proferida pelo STF considerou que, desde que respeitadas as diretrizes da Lei Federal nº 10.029/2000, a norma estadual é constitucional em sua maior parte. No entanto, foram feitas três ressalvas importantes quanto à recepção de alguns dispositivos.
Constitucionalidade da Lei Estadual (na maior parte).
O STF validou a maior parte da Lei nº 7.103/2008, do Estado do Pará, porque ela está em conformidade com a legislação federal (Lei nº 10.029/2000), que trata da prestação voluntária de serviços administrativos auxiliares pelas Polícias Militares. A Corte ressaltou que:
A atividade de guarda patrimonial de imóveis públicos e de quartéis não se confunde com atividades típicas da Polícia Militar, como policiamento ostensivo e preservação da ordem pública.
O serviço de segurança patrimonial já ocorre no setor privado, e, por analogia, não haveria problema em que voluntários treinados pelo Estado exercessem essas mesmas funções.
Há limitações importantes impostas pela legislação federal, como a proibição do porte de arma de fogo e do exercício do poder de polícia por esses soldados temporários.
Na espécie, as disposições da lei estadual impugnada são compatíveis com aquelas contidas na Lei nº 10.029/2000. Elas, inclusive, respeitam os limites impostos nesta norma geral como o da proibição, em vias públicas, do porte ou do uso de armas de fogo e do exercício de poder de polícia pelos voluntários.
Os serviços de guarda de imóveis estaduais e de quartéis da corporação são atividades que podem ser classificadas como auxiliares e administrativas, de modo que não se confundem com as funções de policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública, cuja atribuição exclusiva é das polícias militares. Assim, se membros de empresas privadas podem executar a guarda patrimonial, com mais razão podem fazê-lo voluntários treinados e investidos de função pública temporária.
Conclusão: A norma estadual não extrapola a competência do estado e não invade atribuições exclusivas das polícias militares, mantendo-se dentro dos limites da Constituição.
Declaração de Inconstitucionalidade Parcial.
O STF, no entanto, entendeu que três dispositivos específicos são problemáticos e violam a Constituição.
1. Exclusão da atribuição de guarda de estabelecimentos prisionais.
A Emenda Constitucional nº 104/2019 criou as polícias penais (federal, estaduais e distrital) e atribuiu a elas a segurança dos presídios. Como resultado, o artigo da Lei nº 7.103/2008 que permitia que soldados temporários fizessem a guarda de presídios não foi recepcionado pela nova ordem constitucional.
Portanto, a expressão “e de estabelecimentos prisionais”, contida no art. 1º, foi declarada inconstitucional.
2. Interpretação restritiva sobre a guarda de outras instalações estaduais
O artigo 9º, § 3º, permitia que os soldados temporários fizessem a guarda de diversas instalações do Estado, mas sem poder ser responsáveis por armamento. O STF entendeu que essa previsão não poderia incluir unidades prisionais, pois isso violaria a EC 104/2019.
Portanto, o termo “de outras instalações estaduais” foi mantido desde que não inclua estabelecimentos penais.
3. Inconstitucionalidade da idade máxima de 23 anos para ingresso
O art. 3º, II, da Lei nº 7.103/2008, fixava o limite de 23 anos como idade máxima para ingresso no serviço voluntário. O STF considerou essa restrição desproporcional e irrazoável, pois a Lei Federal que regula a matéria não prevê esse limite etário.
Diante da ausência de razoabilidade, viola o texto constitucional a fixação do limite de 23 anos como idade máxima para a admissão como voluntário à prestação dos serviços auxiliares. Portanto, a expressão “e menor de vinte e três anos” foi declarada inconstitucional.
Conclusão…
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para declarar:
(i) a não-recepção da expressão “e de estabelecimentos prisionais” disposta no art. 1º, caput, da Lei nº 7.103/2008 do Estado do Pará, por ocasião da promulgação da EC nº 104/2019;
(ii) a parcial inconstitucionalidade sem redução de texto da expressão “de outras instalações estaduais” constante do § 3º do art. 9º da norma impugnada, a fim de que o alcance do seu sentido exclua a guarda de estabelecimentos penais;
(iii) a inconstitucionalidade da expressão “e menor de vinte e três anos” contida no inciso II do art. 3º da Lei nº 7.103/2008 do Estado do Pará; e
(iv) a constitucionalidade dos demais dispositivos da Lei nº 7.103/2008 do Estado do Pará.
STF. ADI 4.059/PA, relator Ministro Nunes Marques, redator do acórdão Ministro Flávio Dino, julgamento virtual finalizado em 03.02.2025 (info 1164).
Em sentido semelhante:
São inconstitucionais — por usurparem a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais relativas às polícias militares e aos corpos de bombeiros militares (CF/1988, art. 22, XXI), bem como por extrapolarem a competência suplementar conferida aos estados-membros — normas de lei estadual que permitem o desempenho de atividades de guarda e policiamento pelos prestadores de serviço voluntário e que restringem, sem justificativa razoável, a idade máxima para ingressar no serviço voluntário ou prorroguem o seu prazo de duração para além do previsto na legislação federal.
STF. ADI 3.608/GO, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 09.08.2024 (info 1145).