Da contextualização do regime jurídico desenhado nos arts. 2º a 11 da Lei Complementar n. 151/2015.
A análise dos dispositivos legais impugnados não deve ocorrer sem que inicialmente sejam levados em conta dois fatores subjacentes ao surgimento do regime jurídico por eles instituído: (i) a crônica dificuldade dos Estados-membros e dos Municípios, desde a promulgação da Constituição de 1988, em honrar o pagamento dos precatórios judiciários que lhes tenham sido endereçados; e (ii) a verdadeira babel legiferante verificada no estágio anterior à edição da LC n. 151/2015, quando os entes estaduais criavam, cada qual a sua maneira, diversas leis autorizando o uso de recursos encontrados em depósitos judiciais ou administrativos.

Nesse contexto surge a Lei Complementar federal n. 151, em 5 de agosto de 2015, autorizando a Estados-membros, Distrito Federal e Municípios a utilização de parte dos valores depositados, em sede judicial ou administrativa, no bojo dos processos protagonizados por cogitados entes federativos.

Com absoluta prioridade, à exceção dos 10% mencionados na lei de regência (LC n. 151/2015, art. 7º, parágrafo único), os recursos captados deveriam ser empregados no pagamento de precatórios. Assim, tudo parece indicar que a LC n. 151/2015 veio com o propósito de socorrer os entes subnacionais, propiciando meios para satisfazerem os precatórios em atraso até o marco temporal definido pelo Supremo, 31 de dezembro de 2020.

Empós, prosseguiria vigendo, quiçá com o emprego dos recursos captados para as outras destinações previstas e sem qualquer prejuízo aos depositantes, sempre protegidos pelo chamado “fundo de reserva”.

O legislador, provavelmente percebendo que a LC n. 151/2015 não seria suficiente para dar solução ao passivo de precatórios, editou, em 15 de dezembro de 2016, a EC n. 94. Posteriormente, a EC n. 99/2017 modifica os arts. 101 a 105 do ADCT, os quais, até àquele momento, tinham a redação conferida pela EC n. 94/2016.

Também como novidade digna de destaque, a EC n. 109/2021 criou a figura do estado de calamidade pública de âmbito nacional, a ser decretado pelo Congresso Nacional depois de proposição do Presidente da República (CF, arts. 46, XVIII; 84, XXVII; 167-B; 167-C; 167-D; 167-E; 167-F; e 167-G), definindo, ainda, os seus efeitos jurídicos.

Competência da União para legislar sobre o tema.
Compete à União legislar privativamente sobre direito civil e direito processual (CF/1988, art. 22, I), bem com versar normas gerais em matéria de direito financeiro e de orçamento (CF/1988, art. 24, I e II, §§ 1º ao 4º).

A LC federal n. 151/2015 não está apta a padecer dos vícios de inconstitucionalidade formal atribuídos aos diplomas estaduais, em particular àqueles editados antes dela.

Da compatibilidade material da Lei Complementar n. 151/2015 com a Constituição Federal.
Ao cuidar do pedido de medida cautelar apresentado naquela ação direta, Sua Excelência não identificou, à evidência, os vícios de inconstitucionalidade articulados em relação à EC n. 94/2016. As ofensas à Constituição Federal cogitadas obviamente o foram em face de cláusulas pétreas. Mas os fundamentos adotados naquela ocasião coincidem quase que absolutamente com os que fustigam a LC n. 151/2015.

Se não há inconstitucionalidades na EC n. 94/2016, é pouco provável que haja na LC n. 151/2015, também porque o percentual previsto na lei, à disposição do ente subnacional, é de extensão menor que a autorização da norma constitucional transitória.

A superveniência de emendas constitucionais não ensejou a revogação da lei complementar.
A superveniência de emendas constitucionais que também autorizam os entes federativos a usarem valores depositados em âmbito judicial ou administrativo não ensejou a revogação da lei complementar federal impugnada, motivo pelo qual, sob o aspecto formal, inexiste qualquer inconstitucionalidade.

Previsão na Lei Complementar 151/2015.
Na espécie, o ente federado apenas pode utilizar valores dos depósitos realizados em processos judiciais ou administrativos nos quais seja parte, ficando autorizado a fazê-lo em até 70% do montante, pois o restante será destinado à integralização do fundo de reserva. A previsão para o restabelecimento do saldo disponível no fundo de reserva, caso seja inferior a 30% do total dos depósitos realizados, acrescido da correção monetária, afasta o argumento de mero receio pela sua malversação, no sentido de que poderia resultar na frustração de devoluções autorizadas aos depositantes.

Nesse contexto, o depositante continua com a indisponibilidade temporária do valor depositado durante a tramitação do processo e, somente receberá de volta a posse do valor sob cautela, devidamente corrigido, se vencer o litígio contra o Estado.

Não se trata de empréstimo compulsório.
Por fim, inexiste semelhança com a figura do empréstimo compulsório (CF/1988, art. 148), eis que o depósito é realizado de modo espontâneo, por opção da própria parte em obter os resultados práticos da norma processual. Também não há ofensa à independência do Poder Judiciário, porque a quantia dos depósitos judiciais, além de não integrar o seu orçamento, possui natureza administrativa, ou seja, não lhe pertence nem está disponível para sua livre utilização.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, por unanimidade, julgou improcedentes as ações para declarar a constitucionalidade da Lei Complementar 151/2015.
STF. ADI 5.361/DF, ADI 5.463/DF, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 20.11.2023 (info 1117).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: