Caso concreto adaptado.
Anita é ex-funcionária da Empresa Carros S.A. Descobriu-se em um dado momento que Anita simulava a venda de veículos a consumidores finais, mediante emprego de propostas e documentação falsas, recolhia os cheques dos clientes, sempre nominais à Empresa Carros S.A., em quantia aproximada de 10% (dez por cento) a 30% (trinta por cento) do valor do bem, forjava o endosso dos títulos em seu próprio favor e, em seguida, promovia o depósito em sua conta-corrente,
Sem qualquer conferência por parte do banco quanto à regularidade, existência (ou não) dos endossos, ou mesmo a existência de poderes do assinante/endossante, a instituição financeira efetuava a compensação dos cheques na conta de Anita.
Os clientes lesados pelas fraudes propuseram ações judiciais em face da Empresa Carros S.A. requerendo, além da devolução do valor correspondente aos cheques em questão, o recebimento de lucros cessantes e indenização por danos morais.
A Empresa Carros S.A., por sua vez, precisou indenizar os clientes lesados.
O banco é obrigado a verificar a regularidade dos endossos?
Nos termos do art. 39, da Lei nº 7.357/85, o “sacado que paga cheque ‘à ordem’ é obrigado a verificar a regularidade da série de endossos, mas não a autenticidade das assinaturas dos endossantes. A mesma obrigação incumbe ao banco apresentante do cheque a câmara de compensação”.
Constata-se que o banco apresentante efetivamente não possui a obrigação de verificar a autenticidade das assinaturas da endossante, as quais, frise-se, restaram incontroversas nos autos, uma vez que não há dúvidas de que foi a ex-empregada da Apelante quem endossou os cheques em questão, porém a instituição bancária tem o dever de averiguar se a pessoa que assina o endosso possui, de fato, legitimidade para realizar tal ato em nome da pessoa jurídica beneficiária do cheque, requerendo, por exemplo, a apresentação de cópia do respectivo contrato social.
Voltando ao caso concreto…
Diante do ocorrido, a Empresa Carros S.A propôs ação querendo a restituição dos prejuízos resultantes da desídia imputada à instituição financeira demandada ao deixar de conferir a regularidade de endossos lançados em cheques por ela compensados, equivalente:
Aos valores despendidos para pôr fim às demandas judiciais contra ela ajuizadas pelos emitentes das cártulas, acrescido do numerário que viesse a ser despendido nos demais feitos que ainda estavam em curso.
O que o Judiciário determinou?
O Tribunal de origem julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, para:
Condenar a parte ré ao pagamento de valores referentes às cártulas indevidamente compensadas, com correção monetária e juros de mora desde a data das respectivas compensações bancárias.
O Judiciário proferiu providência diversa da requerida…
Ao assim decidir, o órgão julgador concedeu providência jurisdicional diversa da requerida, em flagrante desrespeito ao princípio da congruência, impondo a devolução dos autos à origem para novo julgamento da apelação.
Necessidade de retorno dos autos a origem.
Em que pese já ter sido concomitantemente examinado na origem o pedido de reparação dos prejuízos alegadamente sofridos em virtude da desídia imputada à instituição financeira, que a autora não possuía, naquele momento, interesse recursal para se irresignar contra o acórdão que, ao fim e ao cabo, concedeu-lhe provimento jurisdicional distinto, daí a necessidade de se determinar o retorno dos autos à origem de modo a facultar o pleno exercício do direito fundamental à jurisdição efetiva em todos os graus recursais.
É que, em regra, a decretação de nulidade é a sanção prevista para a hipótese de decisão extra ou ultra petita, somente podendo ser relativizada, mediante o decote da parte que excede à pretensão manifestada, se não houver prejuízo para as partes. Havendo prejuízo para uma das partes, como ocorre na espécie, proclama-se a nulidade de todo o julgado.
Além disso, nas razões da apelação foi aventada a hipótese de cerceamento de defesa em virtude do indeferimento do pedido de produção de provas, de modo que, calcada a improcedência do pedido de reparação de prejuízos na ausência de prova quanto aos fatos constitutivos do direito da autora, impõe-se mesmo determinar o rejulgamento da apelação em toda a sua extensão.
STJ. REsp 2.035.370-DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/4/2023 (info 771).