Lei Complementar nº 167/2022 do Estado de Minas Gerais.
A Lei Complementar nº 167/2022 foi proposta pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. O objetivo original era regulamentar a criação, organização e funcionamento de uma Procuradoria Jurídica própria no Tribunal de Contas, o que está dentro da competência do próprio Tribunal segundo a Constituição.

Ocorre que durante o processo legislativo, foi introduzida uma emenda parlamentar que adicionou o § 2º ao Art. 3º da lei. Essa emenda proibia qualquer órgão do Tribunal de Contas de estabelecer condições e procedimentos para a escolha, nomeação e posse de seus conselheiros, exigindo que fossem seguidos apenas os requisitos das Constituições Estadual e Federal.

A emenda parlamentar aprovada é válida?
Não. É formalmente inconstitucional norma decorrente de emenda parlamentar que não guarda estrita pertinência temática com a matéria tratada em projeto de lei de iniciativa reservada originalmente encaminhado à Casa Legislativa.

Contrabando legislativo.
O contrabando legislativo é uma prática no processo legislativo em que se introduzem emendas ou dispositivos em um projeto de lei que não têm relação direta com o tema principal da proposta original. Essa prática é considerada problemática porque pode desvirtuar o propósito inicial do projeto e, muitas vezes, introduzir normas sem o devido debate e análise. O contrabando legislativo pode resultar em leis que contêm disposições inesperadas ou controversas, que não foram devidamente discutidas no processo legislativo, comprometendo a transparência e a integridade do processo democrático.

Essa prática é vista como uma violação do devido processo legislativo, pois desrespeita a necessidade de pertinência temática entre o projeto de lei original e as emendas propostas. A introdução de matérias estranhas ao tema principal pode ser usada como uma estratégia para aprovar medidas que não teriam apoio suficiente se fossem apresentadas de forma isolada. Isso pode ocorrer tanto em âmbitos legislativos estaduais quanto federal, sendo um desafio constante para a manutenção de um processo legislativo claro e coerente.

Você sabe o que é um “jabuti”?
O termo informal “jabuti” é usado no Brasil para descrever emendas ou dispositivos que são inseridos em projetos de lei sem qualquer relação com o tema original, de maneira semelhante ao contrabando legislativo. A expressão “jabuti em cima de árvore” sugere algo que não deveria estar ali naturalmente, destacando a artificialidade e o desvio de propósito dessas inserções. O uso de “jabutis” é criticado por comprometer a transparência e a legitimidade do processo legislativo, permitindo que interesses específicos sejam atendidos sem o devido escrutínio público.

Competências das Cortes de Contas.
As competências das Cortes de Contas foram ampliadas com a Constituição Federal de 1988, que lhes conferiu as prerrogativas da autonomia funcional, administrativa e financeira. Como consequência dos princípios da separação dos Poderes e do devido processo legislativo, o texto constitucional reserva ao respectivo Tribunal de Contas a iniciativa de proposições legislativas que versem sobre sua organização e funcionamento (CF/1988, arts. 73 e 96, II, “d”).

Ademais, à luz do princípio da simetria (CF/1988, art. 75), as normas relativas à organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas da União devem ser observadas no desenho institucional dos Tribunais de Contas no plano estadual ou local.

A emenda parlamentar não guarda pertinência com o projeto de lei.
Na espécie, o escopo do projeto de lei complementar estadual originariamente enviado ao Poder Legislativo, de iniciativa privativa do Tribunal de Contas, dispunha acerca da instituição, organização e funcionamento de uma Procuradoria Jurídica própria, temática submetida à competência do referido órgão. Contudo, a norma impugnada, objeto de emenda parlamentar, introduziu dispositivo vedando qualquer órgão da Corte de Contas de dispor sobre as condições e os procedimentos para a escolha, nomeação e posse de conselheiros, matéria que não guarda correlação de conteúdo com o assunto originalmente abordado.

Conclusão…
Conforme jurisprudência desta Corte, o poder de emenda do Poder Legislativo submete-se a determinadas balizas, entre as quais uma relação de pertinência temática com a proposição original, sob pena de violação aos princípios democrático e republicano e do devido processo legislativo.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, § 2º da Lei Complementar nº 167/2022 do Estado de Minas Gerais.
STF. ADI 7.230/MG, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado 30.08.2024 (info 1148).

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