Caso concreto do HC 598.886.
Nos autos do HC 598.886, o STJ declarou nulo o reconhecimento mediante fotografia, realizado pelas testemunhas, do suspeito de um crime de roubo. No julgamento, o Ministro relator se pronunciou nos seguintes termos:
“É preciso, segundo penso, e coloco de forma sincera e com muito orgulho de pertencer a uma turma que se abre a essa possibilidade, eu proponho que nós coloquemos um ponto final nessa história e passemos a exigir de todos os envolvidos uma mudança de postura. Primeiro da Polícia Civil e Federal, que passem a respeitar o CPP. As formalidades não são inúteis, são essenciais para a preservação da liberdade.”

IMPORTANTE! A 6ª Turma do STJ decidiu que o art. 226 do CPP não é uma mera recomendação.
A 6ª Turma do STJ, em mudança de posição, decidiu que o entendimento de que o art. 226 do CPP não é uma recomendação, mas um imperativo legal. A decisão foi no seguintes termos:
O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do CPP, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;
À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s), ao reconhecer, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
STJ. 6ª Turma. HC 598.886, Rel. Min. Rogerio Schietti., julgado em 27/10/2020.

Posteriormente, a 6ª turma realizou um ajuste na conclusão nº 4, acima.
Necessário e oportuno proceder a um ajuste na conclusão nº 4 do mencionado julgado. Não se deve considerar propriamente o reconhecimento fotográfico como “etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal”, mas apenas como uma possibilidade de, entre outras diligências investigatórias, apurar a autoria delitiva. Não é necessariamente a prova a ser inicialmente buscada, mas, se for produzida, deve vir amparada em outros elementos de convicção para habilitar o exercício da ação penal. STJ. HC 712.781-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022 (info 730).

Caso concreto adaptado.
Tício e Mévio foram condenados pelo crime de roubo. A condenação foi fundamentada:
Nos reconhecimentos fotográficos feitos judicialmente;
Na confissão extrajudicial dos Recorrentes, integralmente retratada em Juízo; e
No fato de que um dos celulares roubados teria sido apreendido com um dos réus, meses após o delito, no curso das investigações, porque houve a quebra do sigilo do aparelho.

Esta fundamentação, entretanto, é ilícita, insuficiente e inidônea.

No que diz respeito ao reconhecimento fotográfico, não foram observados os ditames do art. 226 do Código de Processo Penal, o que, por si só, seria suficiente para afastar a validade da prova.
Não houve reconhecimento, fotográfico ou pessoal, durante a fase inquisitiva. O reconhecimento fotográfico realizado em juízo, por sua vez, ocorreu quase 8 (oito) meses após os fatos narrados na denúncia, sendo feito pela simples apresentação, às vítimas, das fotos dos réus, as quais foram extraídas do banco de dados da polícia.

Mostrando-se inválido o reconhecimento fotográfico, restaram apenas as confissões extrajudiciais dos réus e a apreensão do aparelho celular de uma das Vítimas, com um deles.

A confissão judicial sozinha é insuficiente para a condenação (especialmente se retratada em juízo).
No entanto, se mesmo uma confissão judicial não é apta para isoladamente, dar suporte a uma condenação, muito menos o será aquela feita apenas perante a autoridade policial, porém retratada em Juízo, segundo a interpretação dos arts. 155 e 197 do Código de Processo Penal.

A apreensão do aparelho não se deu logo após o cometimento do crime, não sendo possível determinar se o portador do aparelho no momento da apreensão foi o autor do crime de roubo.
O fato de que um dos celulares roubados foi apreendido com um dos réus, em razão de ter havido a determinação de interceptação telefônica do referido aparelho de uma das vítimas, durante a investigação, também não é apto para dar suporte à sua condenação, mormente quando nenhuma das vítimas o reconheceu, no inválido reconhecimento fotográfico e a apreensão do aparelho ocorreu mais de 3 (três) meses depois dos fatos, em razão da determinação de quebra do sigilo do aparelho, durante a investigação dos crimes que deram origem à presente ação penal, ou seja, a apreensão não se deu logo após a ocorrência dos crimes.
STJ. REsp 1.996.268-GO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/4/2023 (info 771).
Ainda sobre reconhecimento fotográfico:
É nula a condenação fundamentada em reconhecimento fotográfico que, além de ter sido realizado com grande lapso temporal dos fatos, encontra-se em contradição com os depoimentos prestados pela vítima, não sendo possível a sua convalidação em juízo. STJ. HC 664.537-RJ, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022, DJe 19/08/2022 (info 746).

Ainda que o reconhecimento fotográfico esteja em desacordo com o procedimento previsto no art. 226 do CPP, deve ser mantida a condenação quando houver outras provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, independentes e suficientes o bastante, para lastrear o decreto condenatório. STJ. AgRg nos EDcl no HC 656.845-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 17/10/2022 (info 758).

É ilícita a prova obtida por meio de reconhecimento fotográfico judicial que não observou o art. 226 do Código de Processo Penal, sendo devida a absolvição quando as provas remanescentes são tão-somente a confissão extrajudicial, integralmente retratada em Juízo, e a apreensão de um dos bens subtraídos, meses após os fatos, efetivada no curso das investigações, o qual estava com um dos acusados que não foi reconhecido por nenhuma das vítimas.
STJ. REsp 1.996.268-GO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/4/2023 (info 771).

Além de obedecer as formalidades, é preciso respeitar o contraditório e a ampla defesa.
O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. STJ. HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020 (info 684).

→ A 5ª Turma do STJ adequou seu entendimento ao da 6ª turma.
Antes a 5ª Turma entendia que as disposições contidas no art. 226 do CPP configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta (Vide: STJ. AgRg no HC 664.916/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 24/06/2021).

→ O STF também trouxe posicionamento em sentido semelhante:
A desconformidade ao regime procedimental determinado no art. 226 do CPP deve acarretar a nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios, justificando-se eventual condenação somente se houver elementos independentes para superar a presunção de inocência. STF. RHC 206846/SP, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento em 22.2.2022 (info 1045).

Outros pontos importantes, posteriormente decididos pela 6ª Turma do STJ no HC 712.781-RJ:
É inválido o reconhecimento pessoal realizado em desacordo com o modelo do art. 226 do CPP, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar.
Se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP)…
O reconhecimento pessoal é válido, sem, todavia, força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica.

Se a prova for produzida em desacordo com o disposto no art. 226 do CPP…
Deverá ser considerada inválida, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar. Mais do que isso, inválido o reconhecimento, não poderá ele servir nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.

Show-up.
Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o show-up (conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é, ou não, autora do crime), por incrementar o risco de falso reconhecimento. O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor, porquanto se estabelece uma percepção precedente, ou seja, um pré-juízo acerca de quem seria o autor do crime, que acaba por contaminar e comprometer a memória. Ademais, uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto. STJ. HC 712.781-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022 (info 730).

Algumas situações em que foi realizado distinguishing.
Se a vítima é capaz de individualizar o autor do fato, é desnecessário instaurar o procedimento do art. 226 do CPP.
Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal. STJ. HC 721.963-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 19/04/2022 (info 733)

No caso em que o reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial não tenha observado o procedimento legal, mas a vítima relata o delito de forma que não denota riscos de um reconhecimento falho, dá-se ensejo a distinguishing quanto ao acórdão do HC 598.886/SC, que invalida qualquer reconhecimento formal – pessoal ou fotográfico – que não siga estritamente o que determina o art. 226 do CPP. STJ. REsp 1.969.032-RS, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/05/2022, DJe 20/05/2022 (info 739).

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