Caso concreto.
José ganhou uma ação em face da União. Para satisfazer a obrigação, foi expedida requisição de pequeno valor no total de R$10.000,00. Ocorre que, mais de 2 anos após o depósito de tais valores em instituição financeira oficial, José ainda não foi sacar o dinheiro. O que acontece?
Pela lei nº 13.463/2017, tal RPV será cancelado.
Lei nº 13.463/2017:
Art. 2º Ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial.
§1º O cancelamento de que trata o caput deste artigo será operacionalizado mensalmente pela instituição financeira oficial depositária, mediante a transferência dos valores depositados para a Conta Única do Tesouro Nacional.
Art. 3º Cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor.
É inconstitucional o cancelamento automático — realizado diretamente pela instituição financeira oficial depositária e sem prévia ciência do beneficiário ou formalização de contraditório — de precatórios e RPV federais não resgatados em dois anos.
A medida infringe o princípio da separação dos Poderes, dada a impossibilidade de edição de medidas legislativas para condicionar e restringir o levantamento de valores depositados a título de precatórios, já que gestão de recursos destinados ao seu pagamento incumbe ao Judiciário por decorrência do texto constitucional (CF/1988, art. 100), o qual não deixou margem limitativa do direito de crédito ao legislador infraconstitucional.
Também há violação aos princípios da segurança jurídica, do respeito à coisa julgada (CF/1988, art. 5º, XXXVI) e do devido processo legal (CF/1988, art. 5º, LIV), sendo certo que a simples previsão da faculdade do credor requerer posteriormente a expedição de novo ofício requisitório com a conservação da ordem cronológica anterior não repara os vícios inerentes ao cancelamento.
Ademais, como nesse momento processual da tutela executiva a Fazenda Pública não detém a titularidade da quantia, a previsão legal ofende o direito de propriedade (CF/1988, art. 5º, XXII), além de conferir tratamento mais gravoso ao credor, criando distinção que deriva automaticamente do decurso do tempo, sem averiguar as reais razões do não levantamento do montante, afastando-se da necessária obediência à isonomia.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade material do art. 2º, caput e § 1º, da Lei 13.463/2017. STF. ADI 5755/DF, relatora Min. Rosa Weber, julgamento em 29 e 30.6.2022 (info 1061).