Lei nº 3.528/2019 do Estado do Tocantins.
A Lei nº 3.528/2019 do Estado do Tocantins criou um Cadastro de Usuários e Dependentes de Drogas. Pela lei, os usuários e dependentes de drogas do Estado do Tocantins serão cadastrados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, a partir do registro de ocorrência policial ou de outra fonte de informação oficial. A lista deverá conter:
I. o nome do usuário ou dependente;
II. o nome da droga de posse do usuário apontada no registro de ocorrência policial ou de outra fonte de informação oficial;
III. a forma pela qual o usuário ou dependente adquiriu a droga;
IV. outras informações de caráter reservado, objetivando preservar a intimidade do cadastrado.
A lei ainda prevê que o cadastro será compartilhado com a Secretaria da Saúde. Prevê, ainda, que o nome do usuário será excluído da lista na data em que for requerido, devendo acompanhar este pedido o laudo médico e informação oficial sobre a não reincidência.
Por fim, determina que o Cadastro não poderá ser utilizado para outros fins que não seja o de propiciar aos Órgãos Públicos o conhecimento dos usuários e dependentes de drogas e os meios legais para libertá-los do vício.
A lei é constitucional?
Não. É inconstitucional — por invadir a competência privativa da União para legislar sobre matéria penal e processual penal (CF/1988, art. 22, I), bem como por violar o Estado de direito, os direitos fundamentais e o sistema constitucional especial de proteção de dados — lei estadual que cria cadastro de usuários e dependentes de drogas, com informações concernentes ao registro de ocorrência policial, inclusive sobre reincidência.
O exercício da competência concorrente em matéria de direito sanitário (CF/1988, art. 24, XII) deve maximizar direitos fundamentais e não pode desrespeitar a norma federal.
Nesse contexto, a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), dispõe que a sistematização e gestão de informações compete à União (art. 8º-A, XII), de modo que os estados não podem criar cadastro próprio.
Art. 8º-A. Compete à União:
XII. sistematizar e divulgar os dados estatísticos nacionais de prevenção, tratamento, acolhimento, reinserção social e econômica e repressão ao tráfico ilícito de drogas;
Sob o aspecto material, o referido cadastro revela reprovação penal pela conduta autodestrutiva do cidadão e tem viés de seletividade e higienização social.
Desse modo, é incompatível com o Estado de direito e com os direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, em especial, os atinentes à igualdade (CF/1988, art. 5º, caput), à dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), à intimidade e à vida privada (CF/1988, art. 5º, X) e ao devido processo legal (CF/1988, art. 5º, LIV).
Ausência de protocolo claro de proteção e tratamento do material cadastrado.
Além disso, a lei estadual impugnada sequer prevê um protocolo claro de proteção e tratamento do material cadastrado.
Inconstitucionalidade da lei.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 3.528/2019 do Estado do Tocantins.
STF. ADI 6.561/TO, relator Ministro Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 1º.9.2023 (info 1106).