Art. 46 da Constituição do Estado de Goiás.
O art. 46 da Constituição do Estado de Goiás previu que compete privativamente ao Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente o pedido de medida cautelar para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, quando o investigado ou o processado for autoridade cujos atos estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição.

Ocorre que o dispositivo previu que a decisão que defere o pedido cautelar deverá ser tomada por voto da maioria absoluta do órgão especial do TJ-GO.

A previsão é constitucional?
Não. É inconstitucional norma de Constituição estadual que condiciona à prévia autorização judicial, mediante decisão fundamentada da maioria absoluta do órgão especial do respectivo tribunal de justiça, o pedido de medida cautelar para fins de investigação criminal ou instrução processual penal em desfavor de autoridades com foro por prerrogativa de função.

Quais os dispositivos constitucionais violados?
A norma impugnada viola:
• A competência privativa da União para legislar sobre direito penal e processual penal (CF/1988, art. 22, I);
• O sistema acusatório; e
• O princípio da isonomia (CF/1988, art. 5º, caput e LIII)

A competência para deferir as medidas cautelares deve ser do relator.
A norma impugnada, ao regular o foro por prerrogativa de função, não poderia dispor diversamente ou desbordar dos limites estabelecidos no modelo federal que, no caso, estão contidos no próprio Regimento Interno do STF.

Conforme disposto na referida norma, que possui status de lei ordinária, a competência para supervisão judicial dos atos investigatórios de autoridades com prerrogativa de foro deve ser conferida ao relator, não havendo, portanto, necessidade de deliberação colegiada.

Necessidade de simetria.
A razão jurídica que justifica a necessidade de supervisão judicial dos atos investigatórios de autoridades com prerrogativa de foro no STF aplica-se, por simetria, às autoridades com prerrogativa de foro nos tribunais de segundo grau de jurisdição. Ademais, conforme jurisprudência desta Corte, a competência do respectivo tribunal para a supervisão judicial nesses casos não torna obrigatória a deliberação do respectivo órgão colegiado, sendo suficiente decisão do ministro ou desembargador relator.

A norma estadual traz tratamento diferenciado aos detentores de foro por prerrogativa de função e destoa da lógica de diversos artigos do Regimento Interno do STF.
Nesse contexto, a exigência de controle judicial prévio por deliberação de órgão colegiado do tribunal de justiça local, além de conferir tratamento diferenciado aos seus detentores de foro por prerrogativa de função, destoa da lógica estabelecida por outras importantes disposições do RISTF (art. 21, IV e V, §§ 5º e 8º, e art. 230-C, § 2º).
Regimento Interno do STF/1980:
Art. 21. São atribuições do Relator: (…)
IV. submeter ao Plenário ou à Turma, nos processos de competência respectiva, medidas cautelares de natureza cível ou penal necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa;
V. determinar, em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, submetendo-as imediatamente ao Plenário ou à respectiva Turma para referendo, preferencialmente em ambiente virtual;
(…)
§ 5º A medida cautelar concedida nos termos do inciso V produzirá efeitos imediatos e será automaticamente inserida na pauta da sessão virtual subsequente, para julgamento do referendo pelo Colegiado competente.
(…)
§ 8º A medida de urgência prevista no inciso V deste artigo, caso resulte em prisão, será necessariamente submetida a referendo em ambiente presencial e, se mantida, reavaliada pelo Relator ou pelo Colegiado competente, a cada 90 (noventa) dias, nos termos do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, cabendo à Secretaria Judiciária realizar o acompanhamento dos prazos.

Regimento Interno do STF/1980:
Art. 230-C, § 2º Os requerimentos de prisão, busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, bancário, fiscal, e telemático, interceptação telefônica, além de outras medidas invasivas, serão processados e apreciados, em autos apartados e sob sigilo, pelo Relator. (Incluído pela Emenda Regimental n. 44, de 2 de junho de 2011)

Conclusão…
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, converteu o referendo da medida cautelar em julgamento definitivo de mérito e, confirmando-a, julgou a ação parcialmente procedente para
(i) declarar a inconstitucionalidade da expressão “mediante decisão fundamentada tomada pela maioria absoluta do órgão especial previsto no inciso VI do art. 93 da Constituição da República”, contida na alínea “p” do inciso VIII do art. 46 da Constituição do Estado de Goiás, com redação dada pela EC estadual nº 77/2023 (3); e
(ii) dar à parte remanescente do referido dispositivo interpretação conforme a Constituição, a fim de esclarecer que “o Desembargador Relator pode apreciar monocraticamente as medidas cautelares penais requeridas durante a fase de investigação ou no decorrer da instrução processual nos casos de urgência e, ainda, quando a sigilosidade se mostrar necessária para assegurar a efetivação da diligência pretendida, ressalvada a obrigatoriedade de referendo pelo órgão colegiado competente, em momento oportuno, sobretudo quando resultar em prisão cautelar, mas sempre sem comprometer ou lhe frustrar a execução”.
STF. ADI 7.496 MC-Ref/GO, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 21.06.2024 (info 1142).

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