Contexto: a partilha do ICMS entre os municípios.
A fim de garantir uniformidade e isonomia de tratamento entre os mais de 5 mil municípios brasileiros, a Constituição Federal define os percentuais que serão partilhados às municipalidades em decorrência da arrecadação de impostos de competências federais e estaduais.
O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um imposto estadual, mas 25% da arrecadação total desse imposto deve ser repassada aos municípios do estado arrecadador, conforme prevê o artigo 158, § 1º, I, da Constituição Federal.
A distribuição dessa parcela municipal do ICMS deve seguir critérios estabelecidos pela Lei Complementar federal nº 63/1990, que define que parte desse percentual é distribuído com base no Valor Adicionado Fiscal (VAF), que os municípios geram para a economia estadual.
O Valor Adicionado Fiscal de um município representa, basicamente, a diferença entre o valor das mercadorias e serviços vendidos (saídas) e o valor das mercadorias adquiridas (entradas) registradas pelas empresas no território municipal. Esse parâmetro é essencial porque busca refletir a “riqueza” gerada localmente e, assim, garantir uma distribuição mais justa do ICMS entre os municípios.
Legislação estadual questionada.
No Estado do Pará, a Lei nº 5.645/1991, seu Decreto nº 4.478/2001 e a Instrução Normativa nº 16/2021 da Secretaria da Fazenda introduziram regras próprias para calcular o Valor Adicionado Fiscal (VAF) no caso da atividade de extração mineral.
Essas normas estaduais definiram que, nas atividades mineradoras, o Valor Adicionado seria fixado em 32% da receita bruta da empresa, sem considerar os métodos usuais de cálculo do VAF estabelecidos na legislação federal.
Essa mudança foi prevista no § 16 do artigo 3º da Lei nº 5.645/1991, o qual estendeu essa regra de tributação simplificada da LC 63/1990 (que beneficia apenas casos específicos como o Simples Nacional) para todo o setor da mineração.
Além disso, o Decreto 4.478/2001 delegou à Secretaria da Fazenda do Pará o poder de definir o critério de cálculo do VAF para a extração de minérios (artigo 3º, III) e determinou que o custo contábil de extração fosse considerado como “entrada” para fins de cálculo do VAF (artigo 5º, V).
A legislação estadual é constitucional?
Não. É inconstitucional — por violar o campo normativo reservado à lei complementar federal (CF/1988, arts. 158, § 1º, I; e 161, I) — norma estadual que estabelece critérios de cálculo do valor adicionado para fins de partilha do produto arrecadado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços realizadas em seus territórios.
A legislação estadual viola competência da União.
A legislação estadual modificou os critérios de cálculo do Valor Adicionado Fiscal sem ter competência para isso. De acordo com a Constituição, normas sobre os critérios de cálculo da partilha do ICMS entre estados e municípios devem ser estabelecidas por Lei Complementar federal. Essa exigência está expressa nos artigos 158, § 1º, I, e 161, I, da Constituição Federal.
E o que diz a legislação federal?
A aplicação do referido percentual fixo sobre a receita bruta para o cálculo do valor adicionado é uma exceção prevista na Lei Complementar federal nº 63/1990 — que dispõe sobre critérios e prazos de crédito das parcelas do produto da arrecadação de impostos de competência dos estados e de transferências por estes recebidos, pertencentes aos municípios — para os casos de contribuintes submetidos ao regime de tributação simplificada ou que estão dispensados dos controles de entrada.
Entretanto, o Estado do Pará, por iniciativa própria, estendeu essa forma de cálculo para todo o setor mineral, que não se enquadra automaticamente nas exceções previstas pela legislação federal. Ao fazer isso, a lei estadual criou um critério diferente do fixado pela Lei Complementar nº 63/1990, usurpando competência da União, o que foi considerado inconstitucional pelo STF.
Conclusão…
Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, considerou inconstitucionais os seguintes dispositivos da legislação do Pará:
Artigo 3º, § 16, da Lei nº 5.645/1991 (que determinava que o critério de 32% da receita bruta valeria para empresas de extração mineral);
Artigo 3º, III, do Decreto nº 4.478/2001 (que permitia à Secretaria da Fazenda determinar o critério de VAF para a mineração);
Artigo 5º, V, do Decreto nº 4.478/2001 (que estipulava o custo contábil de extração como entrada no cálculo do VAF);
Artigo 4º, VI, da Instrução Normativa nº 16/2021 (norma infralegal que detalhava as regras do cálculo do VAF para a mineração).
Assim, o STF reafirmou que os estados não podem criar regras próprias para o cálculo do Valor Adicionado Fiscal, pois isso interfere na partilha do ICMS entre os municípios e pode gerar desigualdade na distribuição da arrecadação.
STF. ADI 7.685/PA, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 13.12.2024 (info 1163).