Caso Daniel Silveira.
O STF condenou Daniel Silveira, em abril de 2022, a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado. Com isso, a corte determinou a perda do mandato de deputado federal e a suspensão de seus direitos políticos enquanto durassem os efeitos da condenação. O Supremo entendeu que o parlamentar praticou os crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União (artigo 23 da Lei de Segurança Nacional — Lei 7.170/1973).
No dia seguinte, o então presidente Jair Bolsonaro publicou um decreto concedendo o benefício da graça (perdão de pena judicial) ao deputado. No texto, ele determinou que todos os efeitos secundários da condenação também ficassem anulados, o que incluiu a inelegibilidade, consequência da condenação de Silveira. Com isso, o deputado voltaria a poder ser candidato nas eleições de outubro. Porém, a Justiça Eleitoral barrou a candidatura.
Indulto.
O indulto é um dos mecanismos políticos de extinção da punibilidade previstos expressamente pela atual ordem constitucional e cuja utilização é vedada para crimes específicos. A partir de um complexo sistema de freios e contrapesos, ele é considerado como importante instrumento de política criminal, voltado a atenuar possíveis incorreções legislativas ou judiciárias em prol da reinserção e ressocialização de condenados que a ele façam jus.
Diante de sua natureza jurídica de ato de governo ou ato político (espécie do gênero ato administrativo), o indulto reveste-se de ampla discricionariedade, contudo, disso não resulta a sua impossibilidade absoluta de ser questionado perante o Poder Judiciário, em especial para verificar se o seu objeto está de acordo com os ditames constitucionais. Na linha da jurisprudência desta Corte, é possível realizar o controle de constitucionalidade de decreto de indulto, notadamente quanto a possível ocorrência de desvio de finalidade.
Desvio de finalidade.
Na espécie, o então Presidente da República, utilizando-se de sua competência constitucional, editou decreto de indulto individual em favor de parlamentar federal que no dia imediatamente anterior foi condenado, pelo Plenário do STF, à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e de coação no curso do processo. Nesse contexto, verificado que o benefício foi concedido de modo absolutamente desconectado do interesse público — mas em razão do mero vínculo de afinidade político-ideológico entre o chefe do Poder Executivo e o beneficiário — há evidente desrespeito aos princípios norteadores da Administração Pública, principalmente o da impessoalidade e da moralidade administrativa.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, por maioria, julgou procedentes as ações para declarar a inconstitucionalidade do Decreto presidencial de 21 de abril de 2022.
STF. ADPF 964/DF, ADPF 965/DF, ADPF 966/DF, ADPF 967/DF, relatora Ministra Rosa Weber, julgamento finalizado em 10.5.2023 (info 1094).
Aprofundando!
Seria possível o decreto de graça restaurar os direitos políticos de Daniel Silveira?
Não. A concessão do indulto afasta o efeito principal decorrente da condenação, qual seja, o próprio cumprimento da pena anteriormente fixada pela sentença condenatória. No entanto, os efeitos secundários da condenação, tais como aqueles elencados no art. 91 do Código Penal, mas não a eles restritos, não são afetados pela concessão do indulto, ante a inexistência de previsão legal neste sentido, restando mantidas, assim, as devidas anotações junto aos cartórios e ofícios distribuidores acerca da existência do feito. STJ. 5ª Turma. AgInt no RHC 66.190/PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 12/03/2019
A extinção da punibilidade pelo indulto não afasta os efeitos da condenação, dentre eles a reincidência, uma vez que só atinge a pretensão executória. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 409.588/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/12/2017
Súmula 631-STJ: O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais.