Factoring (faturização ou fomento mercantil).
O factoring (faturização ou fomento mercantil) pode ser definido, em linhas gerais, como a operação mercantil por meio da qual determinada empresa (faturizadora) compra os direitos creditórios de outra (faturizada), mediante pagamento antecipado de valor inferior ao montante adquirido.

Por exemplo, imagine que a Empresa A possui um cheque pós-datado para junho de 2024 no valor de R$10.000,00. Em janeiro de 2024, a empresa A “vende” o crédito para uma empresa de factoring por R$ 8.000,00.

A empresa faturizadora assume o risco do crédito.
Nessa operação, há assunção de riscos para a empresa faturizadora, isto é, com a transferência do crédito pela faturizada – geralmente manifestado por meio de títulos de crédito -, há o risco de que o montante transferido não seja pago na data do vencimento.

A solvabilidade dos títulos, destarte, consubstancia álea inerente à atividade mercantil desenvolvida. Na hipótese de posterior inadimplência do título transferido, a doutrina leciona que a faturizadora não poderá cobrar a faturizada, porquanto a transferência do crédito, no factoring, realiza-se em caráter pro soluto, sem corresponsabilidade da faturizada, a qual, por sua vez, apenas responde pela existência do crédito no momento da cessão.

A empresa faturizadora não tem direito de regresso contra a empresa faturizada em caso de inadimplemento do título executivo cedido.
Segundo a doutrina, no caso de factoring, não há responsabilidade do endossante ou do cedente, porquanto haveria uma compra do crédito e dos riscos. Ora, havendo a compra dos riscos do faturizado não se pode exigir dele o pagamento do título.

O Superior Tribunal de Justiça compartilha desse entendimento e reforça, em diversos julgados, que a faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada em razão de inadimplemento dos títulos transferidos, visto que tal risco é da essência do contrato de factoring. Como consequência, nos contratos de faturização, são nulas eventuais cláusulas de recompra dos créditos vencidos e de responsabilização da faturizada pela solvência dos valores transferidos (AgInt no REsp n. 2.051.414/SP, Terceira Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023 e AgInt no AREsp n. 2.368.404/ES, Quarta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023).

Caso concreto adaptado 1.
A Empresa A possui um cheque pós-datado para junho de 2024 no valor de R$10.000,00. Em janeiro de 2024, a empresa A “vende” o crédito para uma empresa de factoring por R$ 8.000,00.

Na ocasião, a empresa de factoring exigiu que a empresa A assinasse uma nota promissória no valor de R$10.000,00, que lhe seria cobrada em junho de 2024 caso só cheque não tivesse fundos.

A nota promissória assinada é válida?
Não. A Terceira Turma decidiu pela invalidade das notas promissórias emitidas com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, bem como pela insubsistência de eventual fiança ou aval aposto na cártula garantidora, in verbis:

A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. […]
Afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora.
STJ. REsp n. 1.711.412/MG, Terceira Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 10/5/2021.

Caso concreto adaptado 2.
A Empresa A possui um cheque pós-datado para junho de 2024 no valor de R$10.000,00. Em janeiro de 2024, a empresa A “vende” o crédito para uma empresa de factoring por R$ 8.000,00.

Na ocasião, a empresa de factoring exigiu que a empresa A assinasse uma um instrumento de confissão de dívida, assinado por duas testemunhas, no valor de R$10.000,00, que lhe seria cobrada em junho de 2024 caso só cheque não tivesse fundos.

O instrumento de confissão de dívida é válido?
Também não. Nessa linha de raciocínio, deve ser considerado inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de faturização (factoring). Em que pese o instrumento de confissão assinado pelo devedor e duas testemunhas tenha força executiva (art. 784, III, CPC), a origem desse débito corresponde à dívida não sujeita a direito de regresso. Logo, admitir a validade e autorizar a exigibilidade do referido título subverteria a própria lógica do fomento mercantil.

Desse modo, não há que se falar em livre autonomia da vontade das partes para instrumentalizar título executivo a fim de, sob nova roupagem (contrato de confissão de dívida), burlar o entendimento consolidado por esta Corte de Justiça acerca do tema.
STJ. REsp 2.106.765-CE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 15/3/2024 (info 807).

CUIDADO!
A empresa faturizada responde, entretanto, pela existência do título de crédito.
A despeito da absoluta impossibilidade de a faturizada responder pela solvência dos títulos transferidos, em virtude da natureza da operação de factoring, a cedente (faturizada) responde, sim, pela existência do crédito, ao tempo em que lhe cedeu (pro soluto). Não se têm dúvidas, assim, que a faturizada se responsabiliza, por exemplo, pelo saque, fraudulento, da chamada “duplicata fria”, sem causa legítima subjacente. STJ. REsp 1.711.412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021 (info 695).

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