É legítima a prova encontrada no lixo descartado na rua.
Todo material, seja ele genético ou documental, uma vez descartado pelo investigado, sai de sua posse ou domínio e, portanto, deixa de existir qualquer expectativa de privacidade do investigado ou possibilidade de se invocar o direito a não colaborar com as investigações.
Caso concreto.
Tratava-se de investigação de grupo investigado por exploração de jogo do bicho, além de lavagem de dinheiro. A polícia estava realizando campana quando viu um dos suspeitos descartando sacos de lixo na calçada de um imóvel que estava sob monitoramento policial.
Nos sacos de lixo foram encontrados documentos com listas de apostas, relatórios de prêmios, relação de pontos de venda, descrição de valores de caixa e informações sobre rotas, entre outros dados.
A prova colhida é válida.
No caso, a prova cuja legalidade é discutida foi colhida em via pública, mais especificamente na calçada do lado de fora de um dos escritórios utilizados pela organização criminosa que estava sendo investigada. O descarte dos sacos de lixo foi realizado por um investigado, não havendo se cogitar em expectativa de privacidade a respeito do material colhido, dispensando-se autorização judicial para apreensão e análise do seu conteúdo.
Fishing Expedition (Pescaria Probatória). CAIU NA DPE-BA (2021)
Segundo Alexandre Morais da Rosa, denomina-se pescaria (ou expedição) probatória a prática relativamente comum de se aproveitar dos espaços de exercício de poder para subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade, a vida privada, enfim, violando-se direitos fundamentais, para além dos limites legais.
Exemplos de pescaria probatória.
Darei alguns exemplos de pescaria probatória para ilustrar:
Decretação da prisão preventiva, ainda que sem motivos suficientes, com o objetivo de forçar o agente a realizar delação premiada.
Fiscalização da Receita Federal com a real finalidade de descobrir indícios de crimes.
Determinação de busca e apreensão genérica, sem especificar o que está sendo buscado ou a importância da diligência para comprovar os fatos investigados.
No caso concreto, houve pescaria probatória?
Não. Não se verifica na atuação policial a chamada pescaria probatória (fishing expedition), pois não se estava diante de uma investigação indiscriminada, sem objetivo certo ou declarado. O trabalho de campo já tinha se iniciado, com o mapeamento de estabelecimentos de fachada, identificação de integrantes e conhecimento do modo de agir do grupo.
Também não parece ter sido invertida a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade ou a vida privada dos investigados. A oportunidade apareceu, no momento da campana policial (toda documentada), com o descarte na rua de material que poderia ser simples restos de comida, embalagens vazias e papéis sem valor, como anotações, que se mostraram relevantes e aptas a dar suporte ao que estava sendo apurado. Não houve nem sequer ingresso no imóvel cuja movimentação estava se observando. As provas obtidas estavam no lixo.
Dessa forma, é legítima a prova encontrada no lixo descartado na rua por pessoa apontada como integrante de grupo criminoso sob investigação e recolhido pela polícia sem autorização judicial, sem que isso configure pesca probatória (fishing expedition) ou violação da intimidade.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024, DJe de 15/8/2024 (info 821).