Método do show up.
O método show-up é uma técnica de reconhecimento pessoal que consiste em exibir apenas um suspeito ou a sua fotografia e solicitar que a vítima ou testemunha diga se foi ele o autor do crime. O show-up pode ser realizado presencialmente ou por foto.
O show-up é considerado um método problemático, pois a vítima pode identificar positivamente o suspeito, mesmo que ele seja inocente. A falta de uma linha de base comparativa representa um risco significativo de erro. Por exemplo, o investigador poderia ter adotado precauções adicionais, como esconder a tatuagem do suspeito ou apresentá-lo junto com outras pessoas semelhantes.
Tal método é ensejadora de erros de reconhecimento e até de contaminação da memória do depoente. A situação é agravada quando o mesmo acusado que realizou o reconhecimento informal o negou em juízo.
O regramento do art. 226 do CPP não é uma mera recomendação.
Sobre o tema, a Sexta Turma do STJ firmou recentemente novo entendimento de que o regramento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal é de observância obrigatória, e ainda assim não prescinde de corroboração por outros elementos indiciários submetidos ao crivo do contraditório na fase judicial.
Com tal entendimento, objetiva-se a mitigação de erros judiciários gravíssimos que, provavelmente, resultaram em diversas condenações lastreadas em acervo probatório frágil, como o mero reconhecimento fotográfico de pessoas em procedimentos crivados de vícios legais e até psicológicos – dado o enviesamento cognitivo causado pela apresentação irregular de fotografias escolhidas pelas forças policiais -, que acabam por contaminar a memória das vítimas, circunstância que reverbera até a fase judicial e torna inviável posterior convalidação em razão do viés de confirmação.
Nessa linha, a Sexta Turma desta Corte chegou ao consenso de que o prévio reconhecimento do réu por fotografia acaba por contaminar a memória da vítima, inviabilizando sua convalidação pelo posterior reconhecimento pessoal em juízo.
Caso concreto: reconhecimento através de foto em aplicativo.
No caso, o reconhecimento foi realizado de forma absolutamente irregular, qual seja, apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens a um dos acusados que, posteriormente, em juízo, negou as afirmações e foi absolvido das imputações de tráfico de drogas que lhe recaíam. Logo, tal prova é imprestável para utilização no feito, bem como as dela decorrentes, por aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados.
Por fim, a acusação não logrou êxito em demonstrar que os valores recolhidos na residência do réu seriam oriundos da atividade ilícita, ao contrário, inverteram o ônus da prova ao acusado para que comprovasse a origem lícita dos recursos, em afronta ao princípio acusatório no sistema processual penal brasileiro, que é mitigado tão somente em casos excepcionais, quando da apreensão com o réu de bens comprovadamente ilícitos, como no caso da receptação.
STJ. HC 817.270-RJ, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024 (info 820).
Caso concreto do HC 598.886.
Nos autos do HC 598.886, o STJ declarou nulo o reconhecimento mediante fotografia, realizado pelas testemunhas, do suspeito de um crime de roubo. No julgamento, o Ministro relator se pronunciou nos seguintes termos:
“É preciso, segundo penso, e coloco de forma sincera e com muito orgulho de pertencer a uma turma que se abre a essa possibilidade, eu proponho que nós coloquemos um ponto final nessa história e passemos a exigir de todos os envolvidos uma mudança de postura. Primeiro da Polícia Civil e Federal, que passem a respeitar o CPP. As formalidades não são inúteis, são essenciais para a preservação da liberdade.”
IMPORTANTE! A 6ª Turma do STJ decidiu que o art. 226 do CPP não é uma mera recomendação.
A 6ª Turma do STJ, em mudança de posição, decidiu que o entendimento de que o art. 226 do CPP não é uma recomendação, mas um imperativo legal. A decisão foi no seguintes termos:
O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do CPP, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;
À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s), ao reconhecer, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
STJ. 6ª Turma. HC 598.886, Rel. Min. Rogerio Schietti., julgado em 27/10/2020.
Posteriormente, a 6ª turma realizou um ajuste na conclusão nº 4, acima.
Necessário e oportuno proceder a um ajuste na conclusão nº 4 do mencionado julgado. Não se deve considerar propriamente o reconhecimento fotográfico como “etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal”, mas apenas como uma possibilidade de, entre outras diligências investigatórias, apurar a autoria delitiva. Não é necessariamente a prova a ser inicialmente buscada, mas, se for produzida, deve vir amparada em outros elementos de convicção para habilitar o exercício da ação penal. STJ. HC 712.781-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022 (info 730).
Ainda sobre reconhecimento fotográfico:
É nula a condenação fundamentada em reconhecimento fotográfico que, além de ter sido realizado com grande lapso temporal dos fatos, encontra-se em contradição com os depoimentos prestados pela vítima, não sendo possível a sua convalidação em juízo. STJ. HC 664.537-RJ, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022, DJe 19/08/2022 (info 746).
Ainda que o reconhecimento fotográfico esteja em desacordo com o procedimento previsto no art. 226 do CPP, deve ser mantida a condenação quando houver outras provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, independentes e suficientes o bastante, para lastrear o decreto condenatório. STJ. AgRg nos EDcl no HC 656.845-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 17/10/2022 (info 758).
É ilícita a prova obtida por meio de reconhecimento fotográfico judicial que não observou o art. 226 do Código de Processo Penal, sendo devida a absolvição quando as provas remanescentes são tão-somente a confissão extrajudicial, integralmente retratada em Juízo, e a apreensão de um dos bens subtraídos, meses após os fatos, efetivada no curso das investigações, o qual estava com um dos acusados que não foi reconhecido por nenhuma das vítimas.
STJ. REsp 1.996.268-GO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/4/2023 (info 771).
Além de obedecer as formalidades, é preciso respeitar o contraditório e a ampla defesa.
O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. STJ. HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020 (info 684).
É nulo o reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens.
STJ. HC 817.270-RJ, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024 (info 820).
→ A 5ª Turma do STJ adequou seu entendimento ao da 6ª turma.
Antes a 5ª Turma entendia que as disposições contidas no art. 226 do CPP configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta (Vide: STJ. AgRg no HC 664.916/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 24/06/2021).
→ O STF também trouxe posicionamento em sentido semelhante:
A desconformidade ao regime procedimental determinado no art. 226 do CPP deve acarretar a nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios, justificando-se eventual condenação somente se houver elementos independentes para superar a presunção de inocência. STF. RHC 206846/SP, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento em 22.2.2022 (info 1045).
Outros pontos importantes, posteriormente decididos pela 6ª Turma do STJ no HC 712.781-RJ:
É inválido o reconhecimento pessoal realizado em desacordo com o modelo do art. 226 do CPP, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar.
Se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP)…
O reconhecimento pessoal é válido, sem, todavia, força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica.
Se a prova for produzida em desacordo com o disposto no art. 226 do CPP…
Deverá ser considerada inválida, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar. Mais do que isso, inválido o reconhecimento, não poderá ele servir nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.
Show-up.
Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o show-up (conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é, ou não, autora do crime), por incrementar o risco de falso reconhecimento. O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor, porquanto se estabelece uma percepção precedente, ou seja, um pré-juízo acerca de quem seria o autor do crime, que acaba por contaminar e comprometer a memória. Ademais, uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto. STJ. HC 712.781-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022 (info 730).
Algumas situações em que foi realizado distinguishing.
Se a vítima é capaz de individualizar o autor do fato, é desnecessário instaurar o procedimento do art. 226 do CPP.
Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal. STJ. HC 721.963-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 19/04/2022 (info 733)
No caso em que o reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial não tenha observado o procedimento legal, mas a vítima relata o delito de forma que não denota riscos de um reconhecimento falho, dá-se ensejo a distinguishing quanto ao acórdão do HC 598.886/SC, que invalida qualquer reconhecimento formal – pessoal ou fotográfico – que não siga estritamente o que determina o art. 226 do CPP. STJ. REsp 1.969.032-RS, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/05/2022, DJe 20/05/2022 (info 739).