Caso concreto adaptado.
José era credor de dívida de Pedro, posteriormente falecido. José, então, procurou se habilitar no inventário do de Pedro na qualidade de credor. Os herdeiros, entretanto, impugnaram o pedido.
Diante da impugnação dos herdeiros, o juiz determinou a conversão do pedido de habilitação de crédito em ação de cobrança.
O juiz agiu corretamente?
Não. É ônus do credor não admitido no inventário o ajuizamento da ação de conhecimento, não competindo ao juiz a conversão do pedido de habilitação de crédito em ação de cobrança, em substituição às partes.
Habilitação de crédito no inventário.
Dessume-se da leitura dos arts. 1.017 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), 642 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) e 1.997 do Código Civil (CC) que, concordando as partes interessadas (credores e herdeiros) com o pedido, o juiz, ao declarar habilitado o credor, mandará que se faça a separação de dinheiro ou, em sua falta, de bens suficientes para o seu pagamento, determinando, em seguida, a sua alienação ou, caso requeira o credor, lhe sejam adjudicados os bens já reservados para o seu pagamento, em vez do recebimento em dinheiro, desde que a esse respeito concordem todas as partes (arts. 1.017, §§ 2º ao 4º, do CPC/1973; e 642, §§ 2º ao 4º, do CPC/2015).
Havendo discordância de alguma parte quanto ao crédito, será o credor remetido às vias ordinárias, afigurando-se possível ao juiz, na oportunidade, a reserva, em poder do inventariante, de bens suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação, nos termos dos arts. 1.018 do CPC/1973 e 643 do CPC/2015.
Nessa situação, o credor excluído deverá ajuizar a ação ordinária cabível (cobrança, monitória, execução etc), no prazo de 30 (trinta) dias contados da data em que foi intimado da decisão (arts. 1.039, I, do CPC/1973; e 668, I, do CPC/2015), sob pena de perda de eficácia da reserva de bens eventualmente decretada pelo magistrado.
Código de Processo Civil.
Art. 668. Cessa a eficácia da tutela provisória prevista nas Seções deste Capítulo:
I. se a ação não for proposta em 30 (trinta) dias contados da data em que da decisão foi intimado o impugnante, o herdeiro excluído ou o credor não admitido;
Denota-se, assim, que a própria lei confere ao credor excluído do inventário o ônus de ajuizar a ação de conhecimento respectiva (com o propósito de recebimento do seu crédito), sobretudo dentro do trintídio legal quando pretender manter a eficácia da tutela assecuratória eventualmente concedida – de reserva de bens -, sendo defeso ao juiz determinar a conversão da habilitação de crédito em ação de cobrança, em substituição às partes.
Sendo contestada a habilitação do crédito, o juiz pode, de ofício, determinar a reserva de bens suficientes para o pagamento da dívida após eventual solução da ação de cobrança.
É de se registrar que a impugnação ao pedido de habilitação de crédito por alguma parte interessada, a ensejar a remessa aos meios processuais ordinários e a possível concessão pelo juiz da reserva de bens do espólio em favor do habilitante, confere feição contenciosa ao incidente, consistindo em verdadeira “medida cautelar que o juiz toma, ex officio, em defesa do interesse do credor que não detém sucesso na habilitação: se o crédito estiver suficientemente comprovado por documento e a impugnação não se fundar em quitação, o magistrado mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor, enquanto se aguarda a solução da cobrança contenciosa”.
É consabido que o foro sucessório é universal, afigurando-se competente o juízo do inventário para conhecer e decidir “todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas” (art. 984 do CPC/1973, equivalente ao art. 612 do CPC/2015).
O juiz não pode, de ofício, converter a habilitação de crédito em ação de cobrança.
Logo, conclui-se que, havendo impugnação, por alguma parte interessada, à habilitação de crédito em inventário, impõe-se ao juízo do inventário a remessa das partes às vias ordinárias, ainda que sobre o mesmo juízo recaia a competência para o inventário e para as demandas ordinárias (tal como ocorre nos juízos de Vara única), pois, nos termos dos fundamentos apresentados, constitui ônus do credor excluído o ajuizamento da respectiva ação ordinária, não competindo ao juiz a conversão do pedido de habilitação na demanda a ser proposta pela parte.
STJ. REsp 2.045.640-GO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 28/4/2023 (info 772).