Elemento volitivo dos atos de improbidade administrativa após a Lei nº 14.230/2021.
Com a edição de Lei nº 14.230/2021, deixou de ser possível, em qualquer hipótese, a condenação por ato de improbidade administrativa na modalidade culposa. Inclusive, a lei conceitua dolo como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”.
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.199:
1. É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do elemento subjetivo — DOLO.
STF. ARE 843989/PR, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento finalizado em 18.8.2022 (info 1065).
Antes da Lei nº 14.230/2021, os atos de improbidade do art. 10, isto é, aqueles que causam prejuízo ao erário podiam ser punidos na modalidade culposa.
Para a condenação por ato de improbidade administrativa não basta o dolo genérico.
A modificação legal (Lei nº 14.230, de 2021) passou a exigir, para qualquer demanda de improbidade, o dolo específico do agente, no intuito de reforçar a necessidade de ser identificada a especial nota de má-fé do administrador público como causa material de condenação às sanções da Lei 8.429/1992, evitando-se implicar o agente público em somenos.
STJ. AgInt no AREsp n. 1.125.411/AL, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 30/6/2022.
Caso concreto adaptado.
Em 2019, Amarildo, servidor público da Secretaria de Educação do Município de Bacurau, por negligência, permitiu a aquisição de um imóvel pela secretaria por preço superior ao de mercado. Após apuração, o Ministério Público ofereceu ação civil pública, imputando a Amarildo o ato de improbidade administrativa constante no art. 10, V, da Lei nº 8.429/92.
Na mesma ocasião, o Ministério Público também acusou Amarildo de ter permitido que proprietário do imóvel vendido imprimisse um documento pessoal utilizando a impressora da Secretaria de Educação. Portanto, alegou que dolosamente Amarildo permitiu que o vendedor do imóvel se utilizasse de bem público (art. 10, II, da Lei nº 8.429/92). Na petição, entretanto, o MP se limitou a demonstrar o dolo genérico. Não mostrou, portanto o dolo específico decorrente da “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito”, que não foi consubstanciada por qualquer elemento de má-fé.
Amarildo foi condenado em duas instâncias. Em face do acórdão condenatório, Amarildo opôs em 24/10/2021 embargos declaratórios, que não foram conhecidos pelo Desembargador Relator em 30/10/2021, que então determinou que a secretaria certificasse o trânsito em julgado da ação.
Ocorre que no mesmo dia o advogado de Amarildo peticionou uma questão de ordem informando que em 25/10/2021 entrou em vigor a Lei nº 14.230/2021, que aboliu a figura do ato de improbidade administrativa culposo da lei brasileira. Afirmou também que pela nova lei, não bastava o dolo genérico para a condenação, sendo necessário o dolo específico. Portanto, como ainda não havia trânsito em julgado da ação na data em que a lei entrou em vigor, o advogado requer a aplicação retroativa da lei mais benéfica.
A Lei nº 14.230/2021 retroagirá para beneficiar Amarildo?
Sim. A retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa (com redação da Lei n. 14.320/2021) está adstrita aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da lei anterior, sem condenação transitada em julgado.
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.199:
2. A norma benéfica da Lei 14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3. A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
STF. ARE 843989/PR, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento finalizado em 18.8.2022 (info 1065).
Em atenção ao Tema 1199/STF, deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021, adstringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.
STJ. AREsp 1.877.917-RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023 (info 776).
Ademais, é possível aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021 aos atos ímprobos culposos não transitados em julgados, inclusive na hipótese de não conhecimento do recurso (juízo de admissibilidade não ultrapassado).
Por outro lado, caso a decisão já tivesse trânsito em julgado na data da entrada em vigor da nova lei, esta não retroagiria para beneficiar Amarildo.
O mesmo tratamento deve ser conferido em relação a retroatividade da lei benéfica quanto ao ato de improbidade com dolo genérico (sem dolo específico) praticado antes da Lei 14.133/2021.
Tal como aconteceu com a modalidade culposa e com os incisos I e II do art. 11 da LIA (questões diretamente examinadas pelo STF), a conduta ímproba escorada em dolo genérico (tema ainda não examinado pelo Supremo) também foi revogada pela Lei n. 14.230/2021, pelo que deve receber rigorosamente o mesmo tratamento.
Aliás, no item 3 da Tese do Tema n. 1.199 do STF consta que “a nova Lei n. 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. Ora, se o referido item está a tratar da impossibilidade de manutenção da condenação por culpa (porque revogada tal modalidade), sendo o caso de examinar o eventual “dolo”, compreendo que o “dolo” a que está se referindo o precedente é o especial, pois, como disse, o “dolo genérico”, da mesma forma que a culpa (examinada no item), também foi revogado pela nova lei.
Sendo assim, do contrário, poder-se-ia ensejar situação de possível incongruência, qual seja: afastar a condenação por culpa (porque revogada pela nova lei) e, na mesma decisão, determinar o retorno dos autos à origem para que se permitisse a substituição do ato condenatório com fundamento em elemento subjetivo igualmente revogado (o dolo geral).
STJ. REsp 2.107.601-MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024 (info 809).
Aprofundando!
O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.199:
4. O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
STF. ARE 843989/PR, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento finalizado em 18.8.2022 (info 1065).