Caso concreto adaptado.
José foi condenado a pena de 10 anos de reclusão e a multa no valor de R$2.000,00 e atualmente está em cumprimento da pena em regime semiaberto. Na prisão, José passou a trabalhar, recebendo remuneração equivalente a um salário-mínimo.

Como José ainda não pagou a pena de multa, o juiz da execução determinou a penhora de 25% do valor mensal recebido pelo reeducando em virtude de seu trabalho até o pagamento integral da pena de multa. O juiz justificou o percentual no fato de José não ter filhos ou qualquer dependente fora da prisão e nem qualquer outra condição pessoal que justifique que o desconto comprometeria o seu mínimo existencial.

A decisão judicial foi correta?
Sim. É possível a penhora de até 1/4 do pecúlio obtido pelo condenado para saldar a pena de multa determinada em sentença condenatória.

Controvérsia.
A controvérsia reside em definir se, com fundamento no art. 50, § 2º, do CP, e no art. 833 do CPC, seria impenhorável o pecúlio do condenado.

Código Penal.
Art. 50. A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.
§1º. A cobrança da multa pode efetuar-se mediante desconto no vencimento ou salário do condenado quando:
a) aplicada isoladamente;
b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos;
c) concedida a suspensão condicional da pena.
§2º. O desconto não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família.

Código de Processo Civil.
Art. 833. São impenhoráveis:
IV. os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º;

No caso concreto foi determinada a penhora de eventuais valores decorrentes de trabalho no estabelecimento prisional.
No caso, após a frustração das tentativas de localização de valores por meio do SISBAJUD/RENAJUD, o Ministério Público solicitou a penhora de eventual pecúlio proveniente de trabalho no estabelecimento prisional em nome do condenado, requerendo o bloqueio e penhora de 25% do valor informado, nos termos do art. 168, inciso I, da Lei n. 7.210/1984, o que foi atendido pelo Juízo da Vara de Execuções Penais e confirmado pelo Tribunal de origem.

Lei nº 7.210/1984 – Lei de Execução Penal.
Art. 168. O Juiz poderá determinar que a cobrança da multa se efetue mediante desconto no vencimento ou salário do condenado, nas hipóteses do artigo 50, §1º, do Código Penal, observando-se o seguinte:
I. o limite máximo do desconto mensal será o da quarta parte da remuneração e o mínimo o de um décimo;
II. o desconto será feito mediante ordem do Juiz a quem de direito;
III. o responsável pelo desconto será intimado a recolher mensalmente, até o dia fixado pelo Juiz, a importância determinada.

Valores decorrentes do trabalho durante a execução.
O pecúlio, recebido pelo prisioneiro e previsto no art. 29, caput, e §§ 1º e 2º, da Lei de Execução Penal, consiste em valores monetários ou ativos adquiridos durante o período de cumprimento da pena, seja por meio do trabalho exercido dentro ou fora da instituição prisional, desde que em conformidade com a legislação vigente.

Esses recursos têm diversas finalidades:
o detento pode utilizá-los para adquirir produtos dentro do estabelecimento prisional, custear suas despesas pessoais e, em determinados casos, pode até mesmo reservá-los para o período posterior à sua liberação.
O propósito principal do pecúlio é garantir ao detento meios de subsistência e contribuir para sua reintegração à sociedade após o cumprimento da pena.
Além disso, o pecúlio pode ser utilizado para a reparação dos danos causados pelo crime cometido, desde que haja determinação judicial nesse sentido e que tais danos não sejam indenizados por outras fontes.

A pena de multa tem natureza de sanção penal.
A pena de multa representa uma modalidade específica de sanção penal, impondo ao sentenciado a obrigação de contribuir com um valor determinado ao fundo penitenciário. Uma das modalidades de cumprimento da pena de multa, previsto no art. 49 do Código Penal, é por meio do pecúlio.

Possibilidade de penhora de valores para adimplir a multa.
Para cumprir a pena de multa, a legislação específica estabelece os procedimentos legais para resguardar o seu adimplemento, dentre eles a possibilidade de penhora de bens. O respaldo para a possibilidade de constrição de bens da pessoa condenada encontra-se no art. 164, §1°, da Lei n. 7.210/1984. Esse dispositivo confere autorização para a “penhora de tantos bens quanto bastem para garantir a execução”.

Lei nº 7.210/1984 – Lei de Execução Penal.
Art. 164, §1º Decorrido o prazo sem o pagamento da multa, ou o depósito da respectiva importância, proceder-se-á à penhora de tantos bens quantos bastem para garantir a execução.

É importante ressaltar que essa medida pode abranger inclusive a remuneração do condenado, conforme estipulado nos arts. 168, incisos I a III, e 170 do mesmo diploma legal.

Lei nº 7.210/1984 – Lei de Execução Penal.
Art. 170. Quando a pena de multa for aplicada cumulativamente com pena privativa da liberdade, enquanto esta estiver sendo executada, poderá aquela ser cobrada mediante desconto na remuneração do condenado (artigo 168).

O art. 164 da LEP estabelece que, após a extração da certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que serve como título executivo judicial, o Ministério Público solicitará, em autos separados, a citação do condenado. Este terá o prazo de 10 dias para efetuar o pagamento da multa ou indicar bens para penhora. Caso o prazo transcorra sem o pagamento da multa ou o depósito do valor correspondente, será realizada a penhora de bens em quantidade suficiente para garantir a execução, conforme determinado pelo §1º do art. 164.

Não há incidência da impenhorabilidade do art. 833, IV, do CPC.
Assim, se a legislação de regência admite a cobrança da multa pena mediante desconto na remuneração do apenado, não há que se falar na incidência do art. 833, IV, do CPC. Tal compreensão segue o princípio da especialidade, assegurando a aplicação efetiva das normas específicas da legislação penal executória.

Código de Processo Civil.
Art. 833. São impenhoráveis:
IV. os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º;

Não há conflito com o art. 50 do CP.
Por fim, os arts. 168 e 170 da Lei de Execuções Penais não entram em conflito com o disposto no § 2º do art. 50 do Código Penal, o qual estabelece que “o desconto [da pena de multa] não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família”. Isso porque, cabe ao juízo da execução, no caso concreto, avaliar se a penhora de parte da remuneração comprometerá a subsistência do condenado e de sua família.
STJ. REsp 2.113.000-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024 (info 806).

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