Exemplo didático.
Arlindo adquiriu um imóvel na planta junto à Construtora S.A. No contrato, ficou estabelecido de forma destacada que o adquirente seria o responsável pelo pagamento das tarifas de ligação de serviços essenciais, tais como água e energia elétrica, sem entretanto a discriminação de quais seriam esses valores.

Ao receber o imóvel, Arlindo precisou desembolsar cerca de R$800,00 para a ligação de água e energia. Insatisfeito, propôs ação judicial em face da Construtora S.A. afirmando que o contrato não trazia a discriminação exata de tais valores, falhando em sem dever de informação.

A Construtora S.A. precisará restituir Arlindo?
Não. É válida a cláusula contratual que, redigida com destaque, transfere ao promitente comprador a obrigação de pagar o preço de instalações e ligações de serviços públicos nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, ainda que ausente a quantificação precisa do valor dos serviços.

Direito do consumidor a informação clara e adequada.
A fim de concretizar o comando constitucional de proteção ao consumidor (art. 5º, XXXII, CF/1988) e de combater as desigualdades materiais decorrentes da vulnerabilidade deste no mercado de consumo (art. 4º, I, do CDC), o Código de Defesa do Consumidor elenca, de modo exemplificativo, os diversos direitos do consumidor e os inúmeros deveres a que se submetem os fornecedores de produtos e serviços.

Dentre os direitos básicos do consumidor, inclui-se “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (art. 6º, III, do CDC).

No que tange à proteção contratual do consumidor, o art. 46 do CDC dispõe que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.

Há, portanto, um dever de que as informações consideradas relevantes sobre o produto ou serviço sejam transmitidas ao consumidor de modo adequado e eficiente, com o devido destaque das cláusulas onerosas no momento da realização dos contratos consumeristas.

Natureza jurídica dos valores cobrados pelas concessionárias e permissionárias de serviços públicos.
Destaque-se que o valor cobrado pelas concessionárias e permissionárias de serviços públicos trata-se de preço público (tarifa) destinado às despesas com instalações (materiais e equipamentos, mão de obra, deslocamento, testes de segurança, etc.) para as ligações definitivas de serviços públicos, como luz urbana e saneamento básico (abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem de resíduos sólidos e manejo das águas pluviais urbanas, nos termos do art. 3º, I, da Lei n. 11.445/2007).

A cobrança de tarifa pela instalação e ligação de serviços públicos não pode ser considerada abusiva.
Dessa forma, não se pode afirmar que a cobrança da tarifa pela instalação e ligações definitivas dos serviços públicos, por si só, seja abusiva, pois o valor que tem como finalidade remunerar serviço essencial e autônomo que será efetivamente prestado pelas concessionárias e permissionárias após a construção do bem.

A cláusula deve conter destaque.
Nada obstante, em observância ao dever de informação que permeia os contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, a cláusula que lhe transfere os ônus pelo pagamento de eventuais custos adicionais deve ser redigida com destaque e de modo eficiente.

Caso concreto.
As instâncias ordinárias concluíram pela abusividade da cláusula que transferiu ao consumidor o pagamento do preço a título de instalações e ligações definitivas dos serviços públicos, porquanto ausente a quantificação dos valores a serem pagos.

Nada obstante, em seu voto divergente, o ministro Moura Ribeiro suscitou, em síntese, algumas ponderações:
(i) no contrato estabelecido entre promitente vendedor (incorporador) e promitente comprador, há uma impossibilidade de se quantificar previamente o valor das ligações definitivas, cujo montante depende das instalações que serão feitas e das estações nas quais realizadas, por imposição dos órgãos públicos;
(ii) em razão dessa peculiaridade, o dever de informação se alcança com a identificação expressa do responsável pelo adimplemento do preço;
(iii) “a falta da identificação do quantum na cláusula que repassa esses encargos não isenta o fornecedor de colocar à disposição dos promitentes compradores toda a documentação detalhada relativa a essas despesas, no momento da sua cobrança, para fins de demonstrar a higidez dos valores cobrados”; e
(iv) “nada impede que, a depender do caso concreto, o consumidor alegue eventual abusividade dessa tarifa, caso os valores cobrados a esse título se mostrem excessivos ou desproporcionais ultrapassando o que seria razoavelmente esperado no contexto da relação contratual”.

Conclusão…
Com efeito, considerando os apontamentos realizados, conclui-se que é válida a cláusula contratual que, redigida com destaque, transfere ao promitente comprador a obrigação de pagar o preço de instalações e ligações de serviços públicos nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, ainda que ausente a quantificação precisa do valor dos serviços.
STJ. REsp 2.041.654-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2024, DJEN 13/12/2024 (info 838).

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