O ato principal do testamento é a manifestação da vontade do testador.
O art. 1.632 do CC/1916 dispõe que o ato principal do testamento é a manifestação da vontade do testador de dispor de seus bens para depois de sua morte. Já o tabelião atua como instrumento à consecução daquele ato volitivo emanado do testador, limitando-se a redigir o que se lhe dita, sem integrar o negócio jurídico, e conferindo-se ao ato a forma legalmente prevista, a denotar a sua validade.

Tanto é assim (o caráter instrumental do tabelião na celebração do testamento público) que o testador poderia optar pela realização de um testamento particular para alcançar o mesmo fim, sem se olvidar da maior segurança que contém no ato realizado pelo notário, no legítimo exercício de atividade delegada do Poder Público.

Princípio da máxima preservação da vontade do testador.
Por sua vez, a análise da regularidade da disposição de última vontade (testamento público) deve considerar o princípio da máxima preservação da vontade do testador (CC/1916, art. 1.666; CC/2002, art. 1.899).

A mitigação do rigor formal na jurisprudência desta Corte Superior iniciou-se com o julgamento do REsp n. 302.767/PR, pela Quarta Turma, propugnando a atenuação das formalidades do testamento para fazer valer a vontade do testador, manifestada livre e conscientemente, máxime diante da incompatibilidade fática de oportunizar ao estipulante a renovação ou o saneamento do ato – que só produz efeitos a partir da sua morte -, suprindo as irregularidades formais existentes.

No caso concreto, algumas formalidades foram descumpridas pelo notário.
No caso, apesar da assinatura do testamento público pela testadora, pelo notário e pelas cinco testemunhas exigidas pela lei vigente à data do ato (CC/1916), houve a quebra desse preceito.

As irregularidades cometidas foram:
O documento fora assinado em momentos diversos pelas partes que deveriam estar presentes conjuntamente ao ato;
É incerta a leitura do testamento pelo notário.

Logo, a mácula incidente sobre o testamento decorreu de ato exclusivo do notário, mas não se admite que a quebra dessa confiança implique o aumento excessivo de ônus ou perdas a terceiros, ante a aparente lisura dos seu atos de ofício – principalmente em se tratando de testamento, no qual a eficácia se opera com o falecimento do testador. Sendo, assim, insuscetível de repetição ou de saneamento.

A vontade do testador deve prevalecer.
Embora não se ignore a existência de vícios formais, reconhece-se a validade dos testamentos, em virtude da prevalência do ato de manifestação de última vontade do testador, sobretudo quando não comprovada a sua incapacidade nem a existência de vício na sua manifestação de vontade.

Portanto, é válido o testamento público que, a despeito da existência de vício formal, reflete a real vontade emanada livre e conscientemente do testador, aferível diante das circunstâncias do caso concreto, e a mácula decorre de conduta atribuível exclusivamente ao notário responsável pela prática do ato, como na hipótese, aplicando-se, assim, a teoria da aparência, de sorte a preponderar o princípio da vontade soberana do testador em detrimento da quebra do princípio da unicidade do ato testamentário por inobservância ao regramento disposto no art. 1.632 do CC/1916.
STJ. AR 6.052-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 8/2/2023, DJe 14/2/2023 (info 775).

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