Cláusula del credere.
A cláusula del credere é uma disposição contratual que ocorre, por exemplo, nos contratos de comissão. Ela impõe ao comissário, agente ou representante uma responsabilidade adicional em relação aos pagamentos e obrigações de terceiros.
Com a cláusula del credere, o comissário torna-se responsável pelo pagamento dos valores devidos pelo comprador ao vendedor. Ou seja, se o comprador ou terceiro não pagar, o comissário deverá arcar com esse valor como se fosse o próprio devedor.
Contrato de agência ou de distribuição.
Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.
Controvérsia.
A controvérsia cinge-se em saber se no contrato de agência ou distribuição por aproximação seria admissível a pactuação da cláusula del credere, pacto pelo qual o colaborador assume a responsabilidade pela solvência da pessoa com quem contratar em nome do fornecedor, na forma dos arts. 688 e 721 do Código Civil.
Código Civil.
Art. 698. Se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido.
Parágrafo único. A cláusula del credere de que trata o caput deste artigo poderá ser parcial. (Incluído Lei nº 14.690, de 2023)
(…)
Art. 721. Aplicam-se ao contrato de agência e distribuição, no que couber, as regras concernentes ao mandato e à comissão e as constantes de lei especial.
O motivo da controvérsia é que o art. 43 da Lei n. 4.886/1965 proíbe a inclusão da cláusula del credere nos contratos de representação comercial:
Lei n. 4.886/1965 – Representação comercial.
Art. 43. É vedada no contrato de representação comercial a inclusão de cláusulas del credere.
Portanto, há um conflito entre a norma geral (Código Civil) e a norma especial (Lei nº 4.886/1965)
Exemplo didático.
A empresa “Alfa” contrata João como agente para promover a venda de seus produtos na região Nordeste. João é responsável por buscar clientes e negociar em nome da empresa “Alfa”. No contrato, consta a cláusula del credere, tornando João solidariamente responsável pelo pagamento dos produtos que os clientes compram.
Um dos clientes, a empresa “Beta”, não paga os produtos adquiridos. “Alfa” aciona João para que ele cumpra a cláusula del credere e pague o valor devido.
João pode ser responsabilizado pelo pagamento do valor devido pela empresa “Beta” com base na cláusula del credere?
Não. É vedada a pactuação da cláusula del credere nos contratos de agência ou distribuição por aproximação.
Legislação aplicável.
O contrato em discussão foi qualificado no primeiro grau de jurisdição como contrato de agência e pelo Tribunal de origem como contrato de distribuição por aproximação. A consequência inicial desta categorização é a de que, a despeito da divergência terminológica, se cuida de um contrato socialmente típico, disciplinado pelo Código Civil e, naquilo que for compatível, com a legislação especial, a Lei n. 4.886/1965 (Regula as atividades dos representantes comerciais autônomos).
Tal conclusão é inescapável, na medida em que o novo Código Civil conferiu ao provecto contrato de representação comercial a nova denominação de contrato de agência, alinhando-se à terminologia majoritariamente adotada pela legislação estrangeira.
Portanto, a dúvida é: prevalece a lei especial (Lei nº 4.886/1965) ou a lei mais recente (Código Civil)? A lei especial.
A antinomia em questão se resolve pelo princípio da especialidade.
Nesse sentido, o critério para a solução da antinomia no caso em questão decorre da aplicação do princípio da especialidade, de modo que a incompatibilidade normativa se soluciona pela aplicação da norma que contém elementos especializantes, subtraindo do espectro normativo da norma geral a aplicação em virtude de determinados critérios que são especiais. Sendo assim, concorrerão, naquilo que forem compatíveis, as disposições do Código Civil e da Lei de Representação Comercial – Lei n. 4.886/1965.
Os doze artigos do Código Civil que tratam dos contratos de agência e distribuição por aproximação não se ocupam, em nenhuma passagem, da cláusula del credere – pacto a ser inserto no contrato e pelo qual o colaborador assume a responsabilidade pela solvência da pessoa com quem contratar em nome do fornecedor, tornando-se solidariamente responsável. Contudo, há disposição no art. 43 da Lei n. 4.886/1965 estabelecendo que “é vedada no contrato de representação comercial a inclusão de cláusulas del credere”.
Dessa forma, constituindo a vedação à cláusula del credere nos contratos de agência ou distribuição por aproximação disposição veiculada por legislação especial compatível com a posterior disciplina introduzida por norma geral, infere-se que se mantém no ordenamento jurídico a proibição da disposição contratual que transforme o agente solidariamente responsável pela adimplência do contratante.
Descabe a aplicação analógica do art. 698 do Código Civil.
Ademais, descabe cogitar em aplicação analógica no art. 698 do Código Civil, que estabelece que, se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido. Com efeito, não há falar-se em omissão legislativa que tenha o condão de autorizar a aplicação da analogia pelo simples motivo de que existe norma especial que regula integralmente a questão.
STJ. REsp 1.784.914-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 30/4/2024 (info 810).