Caso concreto adaptado.
Maria mora em uma casa situada à Rua A, 136 desde 1950. Em 1970, Maria propôs ação de usucapião, este transitado em julgado e registrado no Cartório de Registro de Imóveis B em 1974.
A referida casa A foi construída em 1880 por Abelardo, ano de que data o primeiro registro do imóvel. Em 1970, Albaniza adquiriu tal imóvel através de escritura pública, só registrando a compra no Cartório de Registro de Imóveis A em 1980. Portanto, o imóvel possuía uma duplicidade de registros.
Albaniza, então, propôs ação reivindicatória em face de Maria. Afirmou na ação que, apesar de seu registro datar de 1980, este está inserido em uma cadeia de registro que remonta o século XIX, devendo, portanto, ser considerado preexistente.
Tal ação deverá ser julgada procedente?
Não.
Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia a determinar, em ação reivindicatória, qual propriedade deve prevalecer caso existam dois títulos de propriedade, ambos tidos como legítimos e ostentados, com registros distintos em cartórios diferentes na mesma cidade.
Ação reivindicatória.
A reivindicatória é uma demanda petitória, ou seja, busca, nos termos do art. 1.228 do Código Civil, reaver a coisa de quem injustamente a possua, daí por que é preciso averiguar não só se o autor da ação tem a propriedade (título registrado em cartório), mas também se a posse do réu é injusta.
Como o juiz de primeira instância decidiu?
O juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido reivindicatório porque a posse da ré não é injusta, já que, assim como a autora, também tem um título de propriedade hígido. Fixou-se que não logrou a autora provar que o título da ré é írrito. Esse silogismo da sentença está rigorosamente de acordo com o art. 1.228 do Código Civil (CC).
A posse injusta a que alude o dispositivo não é somente aquela referida no art. 1.200 do CC (violenta, clandestina e precária), mas, de acordo com a doutrina, também “aquela sem causa jurídica a justificá-la, sem um título, uma razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. Em outras palavras, pode a posse não padecer dos vícios da violência, clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para efeito reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua posse”.
Não se trata de “direito de posse” mas do “direito à posse”, como decorrência lógica da propriedade.
Ao se falar de posse, não se está trazendo para demanda petitória o ius possessionis, dado que, como visto, não se trata do direito de posse, mas do direito à posse, como decorrência lógica da relação de propriedade preexistente (ius possidendi); é a prevalência do direito de propriedade da ré sobre o da autora.
Preferência de quem registrou primeiro o título.
Não há falar em violação do art. 186 da Lei 6.015/1973 (O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente), já que o registro da ré é anterior ao registro da autora.
Não altera esse entendimento o fato de a cadeia dominial da autora remontar ao ano de 1900, anterior à data do registro da ré (1974), pois estando esta fundamentada em usucapião, depurou qualquer propriedade de outro sujeito de direito, pois o “direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muitos menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão”. Assim, tendo o registro da ré (1974) prioridade sobre o da autora (1980), foi observado o princípio da prioridade.
STJ. REsp 1.657.424-AM, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023 (info 777).